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A Árvore

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano


A Árvore da esquina da Joaquim Eugênio de Lima com Paulista.
A Árvore da esquina da Joaquim Eugênio de Lima com Paulista.

A Árvore nascera num terreno ainda não povoado, em 1705. Fora uma sementinha, trazida pelo vento. Crescera. Primeiro uma plantinha. Mas foi crescendo.

 

Quando os homens chegaram, em 1871, ela já era uma Árvore robusta e adulta. Os homens construíram uma chácara, perto dela. E ela, em alguns momentos, temeu que eles a cortassem para abrir espaço àquelas construções que, então, pareceram à nossa heroína, desenfreadas.

 

Duas décadas depois, o arquiteto e empreendedor Joaquim Eugênio de Lima comprou todas aquelas chácaras, inclusive aquela onde estava a Árvore, para realizar na região dos Altos do Caaguaçu, um empreendimento que se tornaria, no futuro, histórico: a Avenida Paulista. Um boulevard que se destinava a ser o abrigo das elites paulistanas. A Árvore temeu por seu destino. Seria ela tombada e morta por aquela frenética ebulição em nome do progresso dos humanos? Mas resistiu. A nova avenida passava a poucos metros dela e ela lá permaneceu. Quase na esquina da avenida.

 

Depois, vieram as mansões. A elite paulistana, no começo do século XX, construía freneticamente suas ricas residências no leito da nova avenida. E a Árvore passou a ser parte integrante do jardim de uma dessas residências. Ela, que vira tantas das suas irmãs serem mortas, na avidez dos construtores, ainda reinava, impávida, sobre uma das esquinas da avenida.

 

O pior momento da sua vida, aconteceria, porém, nas décadas de 1950 e 60 do século XX.


A mansa avenida residencial viu as mansões serem postas abaixo para dar lugar aos arranha-céus, colossos de concreto, desafiando o firmamento.

 

A nossa Árvore pensou: desta vez, não vai ter jeito. Eles vão me derrubar.

 

Mas, como num milagre, ainda desta vez ela resistiu. Ficou ali, na esquina da rua que viria a ter o nome do idealizador da avenida, Joaquim Eugênio de Lima, com a Av. Paulista.

 

Logo, junto da marquise de um grande prédio que foi erguido no terreno, onde, um dia, houvera uma residência (e a Árvore se lembrava bem de quantas gerações de crianças vira crescer sob a sua sombra, até balanços haviam sido instalados em seus galhos), surgiu um bar.

 

E, por décadas, nas mesas sobre a calçada e sob a sua sombra, a Árvore escutou conversas de intelectuais, estudantes, trabalhadores, que se reuniam no boteco. Gente da Fundação Cásper Líbero, gente da Radio Jovem Pan, jornalistas, casais de namorados...

 

Ah, quantas histórias se multiplicavam naquela esquina, sob a sombra de seus frondosos galhos. A Árvore viu mendigos, crianças engraxates, crianças pedintes e ate grandes artistas, conversando ao lado de seu frondoso tronco. Mas muito pouca gente prestava atenção à sua majestosa presença. E muito menos ao significado das grandes memórias que ela guardava.

 

Afinal, ela era apenas uma árvore.

 

Outro dia, estava eu tomando um chopp de vinho, servido pela Lady Zu (cujo verdadeiro nome é Zuleide) no boteco ao lado da Árvore. E foi então que ela, a Árvore, me contou toda a sua história. E me disse que, depois que instalaram aquele telão ali em frente à sua copa, ela ficou sabendo muito mais sobre o mundo dos homens. Não que tivesse tido grandes surpresas.

 

Afinal, sobre a Terra, as árvores sabem tudo, assim como sobre o Universo e as Leis Cósmicas, já que todas as plantas se comunicam, por suas raízes, que repousam sob a terra e recebem todas as energias que ali circulam.

 

Mas a Árvore se mostrava surpresa que os seres humanos, que raramente têm raízes, tivessem acumulado tanto conhecimento sobre os mistérios do Universo.

 

A Árvore me disse ainda que abrigava alguns ninhos de passarinhos, escondidos sob seus galhos frondosos, e que, brevemente, daria novamente flores, apesar da poluição do ambiente.

 

Ela estava um pouco triste, pois se achava meio inútil, hoje em dia, já que quase ninguém sequer percebia a sua existência, todos tão ocupados com tão grandes afazeres da grande cidade. “Quem passa nos carros, então – disse ela –, e são tantos, nem percebe que eu existo.”

 

- Oh, mas eu percebo! – retruquei eu – E percebo a sua grande majestade. Eu vou morrer, mas você continuará aí por anos e anos.

 

Ela se esticou, orgulhosa.

 

Meu chopp acabou. Paguei a conta e fui embora. Não sem antes acenar para ela, do meio da faixa de pedestres.

 

E ela, agradecida, balançou levemente suas folhas.

 

2005, setembro, 13

 
 
 

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