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A Bomba e o Sábado

  • Foto do escritor: SAUDE&LIVROS Fomm
    SAUDE&LIVROS Fomm
  • 23 de mai.
  • 3 min de leitura

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano


Explosão
Explosão

Era um sábado e ela sabia que poderia se movimentar com muito mais liberdade no escritório. Teria também excelentes razões para estar no escritório num sábado. Havia mesmo muito trabalho acumulado, nesta época de eleições, na assessoria de imprensa de um empresário importante como Nicolau Bastos. E nada demais que a secretária da redação tivesse que fazer hora extra.

 

A secretária da redação sentia a nuca a pulsar de ansiedade. Aquele era o mesmo caminho de todos os dias. Por que então hoje reparar nele? Silvia - este é o nome dela - Silvia estava plenamente, e de certa forma dolorosamente, atenta a cada detalhe do que via, percebendo cada ruído e cada sensação.


Uma coisa terrível para ela, uma certeza de que seu cérebro se alargara e nele cabiam mais pensamentos e mais impressões e mais imagens e mais...


Cansativo. Era cansativo. Mas por outro lado dava-lhe a segurança de estar, alerta, desperta.

 

Era isto o que ela mais precisaria naquela manhã de sábado. Afinal carregava na masculina pasta (tudo em Silvia era ao estilo masculino, até a eficiência profissional) a engenhoca que seu amigo físico construíra, acoplada a um relógio (mecanismo de tempo, ele dizia) que levaria para os ares o belíssimo escritório de Nicolau Bastos e o próprio Nicolau com ele. Silvia não pretendia envolver inocentes.

 

Nicolau Bastos tinha a fama de homem esforçado e trabalhador, o que aparentemente era, chegava muito cedo às segundas feiras. Quando ele abrisse a gaveta esquerda (o que era o seu primeiro gesto ao chegar) ... o escritório explodiria. Em plena avenida Brasil.... Bom é claro que desconfiariam dela. E de muitos outros inocentes que estiveram trabalhando no sábado. E daí? Quem suspeitaria da secretária da redação da assessoria de imprensa? Quem suspeitaria da mais antiga e leal funcionária?

 

Precisava ser num sábado, só poderia ser num sábado. Chegar à sala dele, instalar a bomba, não levaria mais de sessenta segundos. Ela treinara muito com Eduardo, seu amigo físico. Não seria difícil. Ninguém no segundo andar. Usaria as escadas de serviço, entraria no escritório pela porta dos fundos e.... Pronto. Era uma vez Nicolau e sua merda.

 

Sim, ele era uma merda. Silvia sabia disso com cada partícula de seu corpo, com cada sentimento e cada emoção. Portanto, a morte. Varrer de vez a praga, acabar com seus efeitos, salvar tanta gente... Gente que ele manipulava, gente que orbitava em torno dele, como ela própria orbitara sempre, desde que, aos dezesseis, começara a trabalhar para ele. Vinte anos. Uma vida. E nestes vinte anos o acompanhara. Para cima. Sempre para cima. Sem escrúpulos, varrendo obstáculos, comprando a tudo e a todos.

 

Era bem diferente o escritório, onde ela começara como recepcionista, do enorme andar num edifício imponente que ocupavam agora, apenas com administração, marketing e assessoria de comunicação.


Mas ela não queria, nesse momento, pensar em Nicolau Bastos ou em seus vinte anos de trabalho. Precisava apenas trabalhar bem hoje, nesta manhã de sábado. Hoje. Daqui a pouco. A nuca pulsava. Estava consciente de cada imagem, de cada detalhe que sua vista alcançava pelo para-brisa do carro. Pronto. É aqui. Como em todos os dias. Só que hoje é diferente, é sábado, está tudo mais calmo. O controle remoto abre o imenso portão.


O segurança a cumprimenta com um gesto de cabeça. Jardim. Caminho das árvores. Pátio de estacionamento. Escada de serviço. Não. Ninguém a viu entrar com o pacote.


Uma bonita manhã de sábado.                 

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