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Carta aos Setentões

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano


Andy Warhol, 1980, John Lennon
Andy Warhol, 1980, John Lennon

Ah, sem dúvida, foi um privilégio ser jovem nos anos 1960. A Bossa Nova acabara de ser criada e João Gilberto encantava os nossos ouvidos com aquele jeito totalmente novo de cantar “Chega de Saudade”. Os versos eram de Vinícius. A música, do Tom. Todas as garotas queriam ser as de Ipanema. E Mary Quant causava furor ao subir as saias das meninas, num eco aos muitos gritos de liberdade que viajavam pelo mundo.

 

Liberdade para o corpo das mulheres! Os sutiãs foram queimados! Abaixo a opressão. A pílula concretizou o sonho de amar sem engravidar. Faça Amor, Não Faça a Guerra. “All you need is love”, berravam os Beatles nas nossas vitrolinhas a pilha e gravadores de rolo.

 

Todo mundo lia o Pequeno Príncipe e sabia que se tornava eternamente responsável por aquilo que cativava, mas sabia também que tudo era efêmero e o importante era que fosse eterno, enquanto durasse.

 

Todo mundo era contra a Guerra do Vietnã. Os garotos que, como eu, amavam os Beatles e os Rolling Stones.


Aqui no Brasil, a censura corria solta e os jovens se reuniam, às escondidas, imaginando como iriam derrubar o regime militar. Alguns foram ingênuos e heroicos o suficiente para pegar em armas. Muitos pagaram com a vida. Tinham aprendido, com Guevara, que importante era endurecer sem perder a ternura e, com McLuhan, que o meio é que é a mensagem.

 

Elis Regina cantava, lindamente, que a terra era de ninguém e Nara Leão afirmava que podiam, bater, prender, mas que não mudava, não, de opinião. Todo mundo acreditava que o mundo já não seria o mesmo, depois de tanta briga pela liberdade.


Os meninos dos 1960 cresceram. Apesar de namorar e fazer amor com as garotas papo firme, preferiram casar-se com aquelas que mais lembravam as suas mães. Acabaram se acomodando em grandes empregos nas multinacionais e se deixando seduzir pelos muitos confortos da vida moderna. Os mais radicais politicamente, foram exilados, e, no exílio, descobriram as gravatas Hermés, os investimentos em obras de arte e as delícias consumistas do primeiro mundo.


Ah, é verdade que tentaram criar seus filhos num clima de menos repressão e mais liberdade, porque, afinal, isso era a única coisa que restava dos seus sonhos. Criaram uns seres sem limite, loucos por drogas e por automóveis, individualistas, preocupados apenas com o seu próprio bem estar. Já os seus netos continuam individualistas mas, pelo menos e pra rimar, são também ecologistas.


O mundo, que deveria ser livre, ficou ainda mais careta. Drummond e Vinícius foram substituídos pelos versos fáceis das canções sertanejas. Chico Buarque parou de construir. João Gilberto virou apenas um velho chato que, nos shows reclamava do som e da plateia. Caetano se transformou em artigo de consumo e fez sucesso, quarenta anos depois, com a mesma música com que estourara em 1967. Mas já não era a alegria, alegria. Era a influência da novela das nove.

 

Roberto se tornou um setentão vestido de hippie de boutique e que só faz suspirar as antigas moçoilas românticas, todas sozinhas, ou por solteironas, ou por divorciadas, ou por mal casadas.

 

Ninguém lembra mais de Marcuse ou McLuhan. O meio ficou sem mensagem. E Fidel morreu como mais um ditador inflexível e sanguinário.

 

O sexo, que deveria ser livre, virou escravidão. Agora se é obrigado a ter prazer, orgasmos múltiplos são exigidos dos corpos que devem ser esculturais. A ditadura da moda substituiu a dos militares. E você que se mate para estar nos padrões! 


Ah, liberdade! O que será isso, mesmo? Será que alguém ainda se lembra? 


Todos metidos nessa corrida pelo ter, esquecidos de ser. Só uns velhos poetas e sonhadores ainda suspiram de saudades, perplexos, a contemplar esse mundo de novas exigências, de rodeios, de sertanejos bocós, de programas ignorantes nas televisões, de estupidez explícita nas redes sociais,  de eleição de direitistas no mundo, de droga, de descarada corrupção e de violência gratuita.


Baby, do you wanna dance?


Console-se. Temos o computador, World Wide Web, o celular, e vem aí a revolucionária Internet 5G. Ninguém mais vai poder, no mundo, nos calar. Mas será que ainda temos alguma coisa a dizer? Temos? Então, por que nos calamos? Por que nos conformamos? Por que estamos, cada um no seu canto, dispersos e mudos? Ou, nos anos sessenta, era tudo, também, apenas moda?

 

 2021, janeiro, 13

 
 
 

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