Da necessidade de limites(e que possamos explorá-los)
- SAUDE&LIVROS Fomm
- 18 de abr.
- 4 min de leitura

por Prof. Dr. Mauro Fisberg
Assistindo a um ensaio da orquestra sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), rapidamente me passou pela cabeça uma imagem de controle e falta de controle, limites e possibilidades. Imagine quase 80 instrumentistas e instrumentos, diferentes entre si, com sons absolutamente separados, metais, sopros, arcos, percussão, cordas (harpa) apresentando uma loucura de combinações de ruídos.
E de repente, a um levantar de mão do maestro, colocam ordem e seguem um ritmo síncrono, ativo, de idas e vindas, correndo pela partitura como se fossem um e ao mesmo tempo tão diferentes.
E o que era descontrole, o que era individualidade, sob a ação de limitadores (maestro e partituras), vira uma música soberba, vibrante, harmônica e saltitante, que sobe e desce, flutua e adensa, em uma explosão suave ou destrutiva.
E o que isto tem a ver com controle, limites e a realidade de saúde de nossas vidas?
Muitos já relacionaram o nosso corpo a uma orquestra, que sob o comando cerebral, movimenta simultaneamente mil tecidos, inúmeros órgãos, dezenas de milhares de trocas líquidas, contrações musculares, ossos rangendo e peles flexionantes, fazem com que nos movimentemos, respiremos, falemos, sintamos e soframos.
Um ou múltiplos órgãos moduladores, que controlam, que regulam e permitem que uns funcionem positivamente para que outros sejam suprimidos ou atenuados. Se você estica um lado, o outro provavelmente se retraiu. E o equilíbrio fica mantido.
A falta de controle, deixaria um caos admirável e provavelmente ruiríamos em segundos. Se não houvesse limite, teríamos dores, teríamos rompimentos em juntas, expirações e contrações. Não creio que tenhamos um único maestro, mas inúmeras células funcionando e coordenando.
Não estou falando nenhuma novidade e provavelmente você já leu coisas muito parecidas e mais bem escritas sobre o assunto. Por isto, vou diretamente ao que eu queria te mostrar.
Nossos filhos precisam de limites, precisam de espaços e de inúmeras formas de controle, ou atravessariam as ruas sem olhar, sem segurar em nossos braços. Colocariam as mãos nas tomadas, comeriam lixo e fariam o que quisessem sem qualquer compromisso. Adeus escola, adeus banho, adeus comida. E talvez mil acidentes e potencialmente fatais.
Nossos filhos crescem e aprendem sob nossa supervisão. Se somos permissivos demais, não damos limites, não permitimos o conforto da segurança. Se somos rígidos em demasia, não há exploração, não há inovação. E se não nos interessamos, provavelmente serão obtusos e excepcionalmente irão se sobressair.
Nos últimos dias, fomos bombardeados por algumas demonstrações incríveis de falta de controle de nossos adolescentes ou quase isto.
Em redes sociais, vídeos e fotos dos trotes absurdos de escolas de medicina em competição desportiva. Alunos cruzam as quadras, pelados ou com roupas pelas pernas, mostrando suas formas indesejadas no momento.
Sim, isto sempre existiu, e no meu período de centro acadêmico na Escola Paulista de Medicina, foi filmado um clássico da pornochanchada (procure na internet o que significou este movimento), com o nome fatídico de O trote dos Sádicos. Com nomes importantes do cinema nacional, como Ricardo Blat, Sergio Hingst, Jofre Soares, e a incrível participação de Betinho, foi filmado nos pátios e ruas da Vila Clementino, área da EPM em São Paulo, utilizando cenas estereotipadas do que ocorria usualmente nos anos de 1974.
Apesar de sempre ter sido associado ao ritmo de passagem e aceitação, este movimento claramente não agradava a suas vítimas, que obrigadas a aceitarem regras (limites?), sofriam para poderem ser aceitas em sua vida acadêmica futura. Eu claramente lembro que a experiencia de chegada na universidade me faz lembrar de novidade, de medo, de tremores ao ouvir o rugido dos veteranos. Foi bom? Não acho. E vítimas sempre ocorreram. Assédio (ninguém nem falava esta palavra), violência, embriaguez forçada, aguentar tintas nocivas no corpo, destruição de óculos e a humilhação contínua. Nada diferente dos ritos de passagem das universidades americanas e suas fraternidades.
Mas claramente, mostra o fenômeno da falta de controle. Se não obedecemos a um semáforo, o trânsito vira caos e podem ocorrer acidentes. Se houver um número gigantesco de sinais em cada esquina, o trânsito também para.
Não temos controle quando nos relacionamos nas redes sociais, e você pode escrever ou divulgar a maior besteira da história, mas pode ser que a REDE impeça um post sobre aleitamento natural, em que se mostra um peito e um bebê mamando.
Talvez seja importante pensarmos que alguma forma de controle é essencial, em regimes democráticos, mas também sofremos com controle autoritário.
Nossos filhos precisam ser orientados para entender o que pode e o que não é aceitável em diferentes ambientes. Para que não aceitem doces de estranhos, para que não comam as maçãs de bruxas ou bondosas senhoras, para que respeitem os mais velhos, que aceitem suas diferenças e entendam que semelhanças não são garantias de igualdade.
Que formemos filhos que saibam o seu lugar, mesmo que seja longe daqui. Que eles possam ser aceitos pelo que são e não necessariamente pelo que são obrigados a fazer para serem parte de algo. Que o controle seja educativo sem ser opressivo, que o limite seja sinal de segurança. Que eles saibam dizer não, e que o sim, seja sempre uma alegria e não necessariamente uma certeza.
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