por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano.

Fui “nomeada” pelo síndico do nosso condomínio, como a Guardiã dos Jardins.
Isso porque os temos, maravilhosos, projetados nos anos 1950, numa enorme extensão e com espécies de plantas e árvores simplesmente lindas!
Mas, recentemente, várias delas têm sido atacadas por fungos e outras pragas e precisamos acabar com isso já!
Nos últimos anos, quem cuidou do nosso jardim, foi o Geraldinho. Era um funcionário do prédio que tinha grande amor pelas plantas e sabia compreendê-las. Geraldinho, infelizmente, morreu no ano passado. Logo depois de perder a sua amada esposa para um câncer.
Conversando sobre isso com os nossos jovens atuais jardineiros, um deles observou que essa morte dupla e próxima é comum entre casais muito unidos. No bairro deles – contou-me – aconteceu exatamente assim com velhinhos que estavam casados havia mais de meio século. Um se foi. O outro vai logo depois.
Sim, é verdade. É assim mesmo que acontece.Um amigo do meu pai perdeu a esposa. Uma semana depois teve um AVC e morreu.Poderia ficar aqui citando exemplos sem fim. Mas todos sabem do que estou falando.
Ah, meu amor, nós vivemos 38 anos absolutamente felizes juntos. O amor que nos uniu é uma coisa rara e sei que fomos extremamente privilegiados por viver isso. Você morreu no dia 27 de julho de 2021.
No dia 17 de dezembro, meu coração estava se recusando a bater: 31 batimentos por minuto.
No entanto, a ciência me salvou. Fui para um hospital onde me implantaram um marca-passo que obriga o meu coração a continuar batendo.
Mas não era isso que ele, o meu coração, queria. Ele estava se deteriorando, longe do seu amor, assim como estão se deteriorando as árvores e as plantas do nosso jardim, longe do Geraldinho, aquele que certamente mais as amou.
Assisti hoje a um episódio de Startrek Deep Space 9, enquanto fazia minha bike, logo cedo. Nesse, o médico da estação espacial, no século XXIV, consegue reviver um sacerdote do planeta Bajor, recriando artificialmente caminhos neurais do cérebro. No entanto, chega um momento em que não funciona mais e a namorada do sacerdote, desesperada, pede ao médico:-- Mas você consegue colocar nele um cérebro artificial!. Faça isso, não o deixe morrer!
Ao que o médico responde:-- "Tive um professor na escola de Medicina que dizia que cérebro é mais do que um músculo complexo. Nele está uma essência que nada é capaz de reproduzir. Se eu fizer isso, ele viverá, mas não será mais ele, será apenas uma máquina.”
É coração, e não o cérebro, a sede da alma. A humanidade sabe disso, escreveu sobre isso, há milênios passados e até hoje o repete. Razões que a razão desconhece.
Meu coração é como seria o cérebro desse sacerdote alienígena: agora, apenas uma máquina. A verdadeira essência já partiu.
Sou grata ao imenso apoio que tenho recebido, todo esse tempo, dos verdadeiros amigos, são maravilhosos os amigos!
Pois é, meu amor. Mas ninguém – ou muito pouca gente – consegue compreender o meu luto.
Todos, principalmente os homens, dizem que o passado não volta, que eu tenho que olhar para o futuro, tenho que me produzir, aproveitar que ainda sou linda e gostosa aos 70 anos de idade e sair por aí, produzida e sexy, dando pra quem quiser me comer...
Santa Ingenuidade!Como se o nosso amor tivesse sido apenas isso, apenas sexo!Claro que era sexo. Mas era também muito, muito mais que sexo!Nossos corações eram um. Nossas almas estavam unidas (e ainda estão!).
Nossos corpos vivenciavam as mesmas dores, nossas cabeças compartilhavam pensamentos, sentimentos, emoções. Éramos Um. Fomos nos tornando UM. Ingênuos. Todos eles, bem-intencionados, mas ingênuos.
Acreditando que eu possa, de alguma maneira, retomar a vida e a alegria sem você. Não posso.
Faço as coisas. Trabalho. Edito vídeos. Gravo. Escrevo. Divulgo. Fotografo.
Mas, lá dentro, na minha alma e no meu coração, já morri, amado. Estou morta. Como o jardim.
2022, janeiro, 25
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