Conto de Natal de Isabel Fomm de Vasconcellos
“Árvores são como os HDs e os Pen Drives”

Comunicam-se, umas com as outras, através da imensa teia de raízes que se expandem no subsolo, enriquecem com sua energia o lençol freático, fazem circular sob os nossos pés a essência dos pensamentos e das emoções que inundam o ar e elas, sim, diferentemente de nós, os percebem.
Quando desmatamos a terra, sem planejamento, sem reflorestamento, derrubando impiedosamente aqueles seres que a mãe natureza fez crescer durante décadas ou séculos mesmo, provamos que nada mais somos, sobre o planeta, do que uma infestação virótica – ou viral, como vocês dizem hoje – perigosa, destruidora, mortal.
Durante toda a nossa história derrubamos as árvores e construímos milhares e milhares de coisas com elas. Nossas casas, mesas, quadros, esculturas... elas nos fornecem os mais variados tipos de madeiras: nobres, firmes, delicadas, macias... São tantas as variedades, as formas, as folhas, as flores, os frutos, o design. Nós as estudamos, classificamos, dissecamos, pensamos saber tudo sobre elas, mas o mais importante simplesmente esquecemos. O mais importante é que as árvores são como os HDs e os Pen Drive. Elas guardam – e podem transmitir – a informação que captam do ar que as cerca, assim como os HDs armazenam os dados de um computador. Quando na terra, as árvores podem formar, através de suas raízes, uma internet vegetal. Quando em vasos, guardam sua história solitária e emanam sua energia pelo ar.
Árvores prestam-se ainda a uma determinada missão, se dela nós as incumbirmos. Podem guardar a essência de um ente querido que nos deixou, se pedirmos a ela que o faça. Assim, uma extensão da alma de alguém pode continuar vivendo na árvore, mesmo que esse animal já se tenha ido da terra.
Tudo isso que estou dizendo pode parecer estapafúrdio, mas apenas para nós, seres humanos desse tempo. Os antigos sabiam muito bem disso tudo. Foi o progresso da mentalidade científica e da racionalidade, essa mania de achar que a evidência é a verdade, foi isso que passou a desprezar os ancestrais conhecimentos, todos enfiados num mesmo saco, indiscriminadamente classificados como superstição ou coisa do demônio.
A Igreja (assim como em nossos dias os esquerdinhas) precisava eliminar qualquer vestígio de qualquer prática ou ritual ou conhecimento empírico que não combinasse com a doutrina que ela criou em nome do pobre do Jesus Cristo que, além de crucificado, teve distorcidos todos os seus ensinamentos. Por isso os padres, durante a Idade Média, foram se apropriando de todos os ritos e de todas as festividades religiosas e os transformaram em práticas católicas, tirando delas sua verdadeira essência. Fizeram a mesma coisa com as árvores. Transformaram as rainhas da Flora em seres inanimados, sem alma, sem significado. Madeira pras fogueiras de queimar bruxos!
Mas, assim como os segredos das bruxas, as magas celtas que a Inquisição Católica passou seiscentos anos queimando nas fogueiras, os segredos das árvores passaram, boca a boca, de geração em geração nas escolas de mistério, nas seitas que se esconderam da mediocridade de um mundo que os padres queriam certinho e arrumadinho e hoje podem, com muito cuidado, é claro, vir à tona, à luz para nos mostrar que há muito mais mistério entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia. E é justamente entre o céu e a terra que as árvores se colocam.
Por toda a história os seres humanos associaram árvores a deuses, deusas, entidades, aqueles seres necessários, imaginários, que ligavam os seres da terra aos seres dos céus.
Dizem que Jesus, o Avatar, estudou com os celtas, com as bruxas magas, aquelas que tinham a visão – como, pouco depois também Santa Clara, a de Francisco – aquelas que sabiam misturar as ervas...
Dizem que ele aprendeu com elas, e com os druidas, a transformar água em vinho e multiplicar os grãos. E assim como os celtas, todos os povos cuja sabedoria a igreja esmagou ou assimilou e distorceu, quando se aproximavam as celebrações do solstício de inverno, cortavam pinheiros e os levavam para dentro de casa e os enfeitavam. Mas esse hábito vinha ainda de mais longe. Entre os primeiros povos de que temos notícia, os assírios montavam árvores com enfeites e presentes em casa, no dia do nascimento da deusa Semiramis porque ela, a deusa, prometera abençoar lhes o lar, se assim o fizessem.
Os germânicos herdaram a tradição das árvores decoradas diretamente de seus antepassados celtas e outros povos chamados, por seus conquistadores, bárbaros. Então você percebe porque, no inconsciente coletivo, essa tradição das árvores enfeitadas é tão forte, tão forte, que não é uma seita nova qualquer que conseguirá derrubá-la.
Muitos povos hoje em dia querem chamar para si a honra de ter criado a primeira árvore de Natal. Mas o hábito de trazer árvores para dentro de casa e enfeitá-las é anterior ao nascimento de Jesus Cristo.
O Lutero mesmo, sempre brigando com a igreja tradicional, tratou de vir logo contando uma história edificante sobre a visão que ele tivera, em noite estrelada e de neve, de um grande e maravilhoso pinheiro contra a luz da lua cheia. Então ele teria tentado reproduzir tão visão maravilhosa, dentro de sua própria casa, enfeitando uma árvore com estrelas e flocos de algodão.
Em contrapartida, um monge beneditino, mais tarde São Bonifácio, servia na Turíngia, o chamado “coração verde da Alemanha”. Lá, seguindo os velhos ritos, o povo cultuava um enorme pinheiro no sopé de uma montanha, considerado sagrado. Pois o danado do monge teve, em nome de suas crenças, o desplante de cortar a tal árvore. Depois, diante da inevitável revolta do povo, o espertinho plantou vários pedaços do pinheiros em vasos e inventou que cada galho simbolizava, por sua forma triangular, a Santíssima Trindade e que sua resistência significava a resistência do próprio filho de Deus, morto na cruz.
Todas as versões que tentam explicar a origem da árvore de natal, atribuem aos povos germânicos sua criação.
Porém os germânicos a herdaram dos celtas que a herdaram dos místicos da longínqua Antiguidade.
Desde que o mundo é mundo, povos e povos respeitaram, amaram e sacramentaram várias espécies de árvores.
Muito perto de nós, seres contemporâneos, há exemplos.
As camponesas mexicanas as usavam para receber notícias de seus maridos quando estes saíam para jornadas de longa duração, por caça ou colheita. Povos primitivos da América sabiam que as árvores podiam abrigar espíritos, de humanos ou de animais.
Só nós, ingênuos consumistas do mundo moderno, orgulhosos de nossos samartphones, não percebemos que, ao enfeitar uma árvore, estamos dando e recebendo a mais maravilhosa energia da vida, vinda diretamente do misterioso chão sobre o qual pisamos.
Olívia escutou sem um pio, sem uma contestação, como sempre fazia aliás, o discurso de seu velho avô. Antes de ir para a casa, passou por uma grande loja de plantas e comprou o maior pinheiro plantado que pode encontrar. Escolheu também rosas vermelhas e sempre vivas. As rosas colocou em pequenos tubinhos de vidro, com água dentro e com o caule cortado rente. As sempre vivas, em pequenos maços. Com as flores decorou todo o pinheiro, usando também pequenas hastes de trigo, metidas em pedaços cilíndricos de canela em pau. Estava assim, sabia, ligando o céu à terra e a história à toda magia do mundo.
Naquela noite, talvez porque fosse Natal, sonhou que sua árvore se transformava em lenha para fogueira, em cruzes para o martírio, em mastros para as embarcações, em bancos de praça. Acordou com a nítida sensação de que toda aquela madeira, se fora veículo para sangue, suor e lágrimas, permanecia também, e porém, como um caminho para as estrelas. Talvez porque fosse Natal, e a cada Natal, um avatar, vindo à Terra conduzido por uma estrela, escoltado pelos anjos que sempre chegam primeiro, pode renascer nos corações abertos dos seres e nos corações das árvores.
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