por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

Dr. José Angêlo Gaiarsa (1920-2010)
Quanto mais a gente envelhece, mais vai perdendo os ídolos. É, porque geralmente aquelas pessoas que nos serviram de modelo, de inspiração, costumam ser mais velhas que nós e, pela ordem natural da vida, se vão primeiro pro lado de lá.
É outro médico ídolo que se vai.
Diferentemente do Prof. Pinotti – que era polêmico porque era político e enxergava adiante do seu tempo mas também era academicamente respeitado e foi até Professor Titular de Ginecologia da USP – o meu mestre que se vai agora chegou a ter o seu direito de exercer a Medicina contestado por alguns de seus colegas.
José Ângelo Gaiarsa, assim como Pinotti, estava sim à frente do seu tempo, mas as bandeiras dele eram ainda mais polêmicas do que as do seu colega gineco: Gaiarsa ia fundo na grande repressão sexual que a humanidade vivenciou e ainda vivencia.
Nascido nos revolucionários anos 1920, Zeca Gaiarsa enxergava longe. Publicou mais de 40 livros. Denunciou a fofoca como manifestação da insatisfação coletiva. Trouxe o também revolucionário Reich para o Brasil.
Na década de 1960 – junto com outro psiquiatra também revolucionário, mas menos bombástico, Paulo Gaudêncio – ajudou a colocar lenha na fogueira da juventude contestadora.
Foram 50 anos de clínica, mais de uma década com seu próprio programa na TV Bandeirantes (1983-1993) e sempre participando da mídia, como entrevistado ou como quadro de programas femininos, inclusive dos meu Condição de Mulher e Saúde Feminina, na Rede Mulher de TV (1994-2007).
Lembro-me de , um dia, depois de um programa, ele ter olhado pros livros que eu conservava sobre a bancada, no cenário, e dito:
- Isabel, eu já te dei tantos livros na vida, você bem que podia me dar esse aqui.
Era "O Mito do Amor Materno", da Elizabeth Badinter. E lá se foi o Gaiarsa com o Badinter debaixo do braço. Pensei: um pensador maravilhoso carregando outro pensador maravilhoso.
Lembro-me dele admirando, aqui em casa, as minhas estantes de livros. Estava rolando uma festa, toda animada, e ele olhava pros livros...
Gaiarsa nasceu em Santo André e entrou em primeiro lugar na Faculdade de Medicina da USP. Fez todo o curso como o primeiro da classe. Não era, como muitos queriam julgar, um aventureiro. Era um gênio.
Ele se casou com uma colega de turma, da Universidade, que também era uma exceção em sua época, era cirurgiã e se chamava Maria Luiza Martins. Com ela, teve quatro filhos homens: Flávio, Marcos (morto em acidente de carro), Paulo e Dácio.
Foi na Revista Realidade o seu primeiro artigo: “ A Juventude Diante do Sexo”, uma ousadia para os anos 1960.
Tenho gravações dos meus programas de TV com ele desde 1985. Em todos, alguma revelação surpreendente.
Ele dizia que, se as mulheres se unissem, seriam uma força política imbatível.
Não sei porque, mas são essas mentes abertas (e por isso mesmo sofredoras) que acabam fazendo com que a vida sobre a terra evolua também socialmente, não apenas tecnologicamente.
Se existe de fato Deus, Ele foi receber o Gaiarsa na porta do céu.
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