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Quando Morrer é Conhecer: A Partida Serena de Francisco.

  • Foto do escritor: SAUDE&LIVROS Fomm
    SAUDE&LIVROS Fomm
  • 27 de abr.
  • 3 min de leitura

por Dr. José Reynaldo Walther de Almeida


imagem da Internet
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Então, Francisco se foi. Discretamente. Passou semanas lutando contra uma pneumonia, internado sob cuidados médicos. Certamente não queria morrer. Abandonar o bom combate, nem pensar. No domingo, foi à missa, andou de papamóvel e agradeceu ao enfermeiro por lhe ter proporcionado aqueles momentos que achava que não conseguiria viver. Conseguiu. Mas, depois. No dia seguinte, à noite, sentiu-se mal e perdeu a consciência.


Aqui vai o que importa. Naquele momento, o médico de Francisco identificou uma condição gravíssima. Percebeu-a pelo exame clínico, pela história pregressa e pelo seu conhecimento. Não correu para intubá-lo, não solicitou uma extensa bateria de exames, ressonância, tomografia; nem lhe passou pela cabeça levá-lo para o hospital e, muito menos, para uma UTI. Ninguém, ali, o pressionou dizendo: “Vai deixá-lo morrer à míngua? Ele está em coma, precisa passar uma sonda… vai morrer de sede…”


Pois é, ouvi coisas parecidas incontáveis vezes na minha longa jornada de médico e também já fui substituído na função por aquele filho que era apenas visita na casa do pai, onde a irmã zelosa cuidava e sabia do fim próximo daquele pai amado. Mas o filho ausente exigiu que fosse levado para uma UTI, onde morreu semanas depois, em grande sofrimento.


Ouvi depois que ele devia estar se sentindo culpado. Pode ser; a psicologia é complexa. Mas a minha convicção é que ele não passava de um ignorante, leitor assíduo de mídias sociais, que nunca leu literatura russa, francesa, colombiana, brasileira, argentina, americana, etc., aqui incluídos todos os excelentes autores que nos transmitiram saberes e nos ensinaram como lidar com a dor e a perda, que nos ensinaram a pensar para além dos algoritmos do Facebook, Instagram, X, TikTok.


Porque, na hora da morte, o que vale é o conhecimento: a capacidade de discernir entre o possível e o impossível, de perceber a enorme importância que a morte significa para todos nós. É o momento em que nos igualamos a Jesus e passamos a fazer parte do universo exatamente como ele. A transcendência do morrer foi banalizada. Transfere-se aos médicos da UTI o dever de manter a vida a qualquer custo, mesmo que com enorme sofrimento. Obviamente, refiro-me a pacientes cuja terminalidade está plenamente configurada, seja pela história pregressa, seja pelo exercício do raciocínio médico que verifica, com sinais clínicos, a extrema gravidade. Não estou falando, mesmo de idosos, de eventos plenamente tratáveis.


Falo da banalização de eventos sublimes. Falo da nossa falta de escolas — e por escolas não entendo prédios, mas uma entidade abstrata que forma cidadãos plenos. Existem poucas nesta terra tupiniquim. Falo de um povo que teima em lotar estádios de futebol patrocinados por bets milionárias, propagadas por “ídolos” do passado, artistas… falo da extrema pobreza intelectual que graça a nossa capital federal, em festas regadas a vinhos de mil reais a garrafa, com o nosso dinheiro. Falo dos poderes apodrecidos da república (a letra minúscula é proposital), que servem de exemplo e atraem cada vez mais as mentes dos nossos jovens. Para que estudar? Para que pensar nos mistérios da vida e da morte se, na vida, podemos almejar enormes salários sem precisar passar por nenhum concurso ou jogar desenfreadamente em bets lavadoras de dinheiro sujo?


A passagem serena de Francisco exigiu dos presentes o que de melhor a humanidade produziu. E resta saber, se esse evento tivesse ocorrido por acaso por aqui, como teria sido. Eu sei. E teria custado muito dinheiro.


Zé Reynaldo, 2025, abril, 25


Isabel: Aí, Zé, o desfecho do seu artigo dependeria de qual hospital tupiniquim ele estivesse. Einstein, São Luiz, Sírio... Talvez o tivessem entubado na UTI com toda a desumanidade de uma medicina mercantilista. Mas HC, Dante, Prevent... acho que não. Acho que os médicos desses hospitais públicos (e tb os da Prevent) saberiam distinguir alhos de bugalhos. Quando o Caetano morreu, minutos antes, o médico me perguntou: -- A senhora o quer na UTI ou no Conforto? Respondi: -- No Conforto, é claro. -- Porque ele, ainda em casa, antes da ambulância chegar, já sinalizara que a morte havia chegado! Muito bom, como sempre, o seu artigo. Posso publicar no Portal?

Zé Reynaldo: Oi Bel. Pode sim.. sempre. E voce tem razão. Nos hospitais caros as utis esta cheias de idosos ricos.

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