O Outono do Cérebro Solitário: Genealogia de uma Amizade Incurável
- SAUDE&LIVROS Fomm
- há 3 dias
- 2 min de leitura
por Jose Reynaldo Walther de Almeida

Haveria de chegar esta tarde em Palmas, sob um sol que parecia saído das páginas de uma gênese esquecida, para que eu, diante de um congresso de homens que decifram os hieróglifos do coração, compreendesse uma verdade muito mais antiga. Vim a convite de Henrique Furtado, um amigo cuja existência se confunde com a minha há cinquenta anos, para falar das cicatrizes que uma cirurgia cardíaca pode deixar no cérebro.
E, no entanto, o destino, com sua ironia poética, me reservava um reencontro que era, em si, a cura para muitos males do coração e da alma. Pois ali estavam, como se o tempo fosse um rio que desaguasse neste exato instante, os rostos de Antonio Sergio, de Jairo, de Neder, de Elaine, de José Garcia, de Germano, de Hagda. Amigos de uma vida inteira, memórias vivas que o abraço ressuscitou.
A ciência, com seus nomes difíceis, apenas confirma o que a alma já sabe: que nosso cérebro não foi construído para um, mas para muitos. Que ele é um mapa vivo, desenhado com os rostos que amamos. E hoje, em Palmas, no Tocantins, a presença de todos eles são as provas de que este meu cérebro não foi construído para mim, mas para nós.
Falamos de corações que falham, de artérias que se fecham. Mas o que dizer do coração que adoece de ausência? A solidão, essa doença da alma, é um veneno lento que se infiltra no sangue, um agouro tão funesto quanto qualquer mal documentado nos livros de medicina.
E o antídoto, meus amigos, o único sortilégio contra o desamparo, não se encontra facilmente. Fabrica-se na pele, no calor de um abraço adiado por décadas, na liturgia de um olhar que nos reconhece. É a memória de um tempo imemorial, quando a cooperação era a única arma contra a noite e suas feras. Um homem só era um presságio de esquecimento. Mas um bando de amigos, mesmo que reunido pelo acaso num congresso em Palmas, é uma dinastia em potência.
E como se a vida quisesse me provar que esta casa de afetos nunca fecha suas portas, conheci aqui Sanjiv, Fabricio e Gessi. Rostos novos que já trazem em si a promessa das relações futuras, a certeza de que continuamos a construir as pontes que nos salvam.
Um antropólogo decifrou que nosso coração tem um limite para os afetos verdadeiros. Cento e cinquenta, seriam. Talvez seja verdade.
Mas nesta tarde, sob o calor do Tocantins, a presença destes amigos, os de ontem e os de amanhã, basta para preencher todos os vazios do universo.
E assim seguimos, prisioneiros deste belo e trágico labirinto: condenados a procurar no outro o pedaço que nos falta. Porque a vida, essa sucessão de milagres e despedidas, só adquire a substância da realidade quando encontra um outro para quem possa ser contada. O resto é vento. O resto é neurologia e cardiologia.
Comentários