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Thiago, o Homem-Sorriso

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano


Thiago
Thiago

Thiago, O Homem-Sorriso

 

A coisa que mais me impressionou quando nós nos mudamos para este prédio, em 1985, não foi nem a beleza do apartamento, nem o fato de vir morar em plena Avenida Paulista.


O que mais me impressionou foi o humor do Thiago.


Impossível ignorar o bom humor daquele porteiro, negro, feio e pobre, que lavava alegremente as janelas dos apartamentos, pendurado no parapeito, do lado de fora, e se recusando a usar cordas de proteção, como se tivesse certeza de que a vida o protegia, acima de tudo.


Em todos os pequenos acidentes domésticos, nestas duas décadas, foi ao Thiago que eu recorri. Estourou a mangueira da máquina de lavar? O elevador parou entre dois andares? Caiu o pau da cortina? Deu curto circuito na caixa de fusíveis? Chama o Thiago.


Thiaaagooo!!!A gente chama, ele vem. Sempre com um sorriso enfeitando a cara, sempre achando tudo muito engraçado e resolvendo tudo, tudo. A empregada está deprimida? O Thiago leva ela para comer feijoada no sábado, ali no boteco da Joaquim Eugênio de Lima.

 

E foi assim sempre. O Thiago já trabalhou em todos os horários, em todas as portarias, de dia e de noite, sozinho, na garagem. Está sempre rindo, sempre de bem com a vida, mesmo quando o colocam trabalhando de madrugada, longe dos papos das empregadas (ele é o rei das empregadas do prédio!) e na escuridão da garagem.


Quando eu trabalhava na Rede Mulher de TV, às vezes o encontrava de manhã, quando estava saindo para a TV e ele terminando seu turno, e o levava de carona até o ponto de ônibus que ficava na frente da emissora. E lá ia ele, pra periferia, muito além de Santo Amaro, todo lépido, todo alegre.

 

Quando eu estava aprendendo a ser dona de casa, às vezes o trabalho doméstico me exasperava. Nunca vou me esquecer de uma manhã em que eu dera um duro danado pra conseguir ajeitar os lençóis nos varais quando a mangueira da máquina estourou e um chafariz invadiu a área de serviço molhando tudo, inclusive eu e os benditos lençóis. Comecei a chorar. Fechei o registro da água e chamei o Thiago pelo interfone. Quando ele entrou e viu aquela cena deplorável – eu, em prantos, olhando os lençóis encharcados que já, pelo peso, arqueavam os varais, no meio de um verdadeiro lago de água e sabão – não teve dúvida: Soltou uma daquelas deliciosas gargalhadas e, de repente, eu estava rindo com ele. Num piscar de olhos remendou a mangueira, botou os lençóis pra centrifugar e enxugou a área. Tudo enquanto eu fazia um café pra nós.

 

Tivemos inúmeras brigas por causa das janelas. Ele vinha lavar as janelas do apartamento, enormes, e ficava de pé no parapeito, do lado de fora, esfregando os vidros com um pano cheio de sabão, o sabão escorrendo pelo parapeito e ele sem nenhuma proteção. Na primeira vez que eu vi isso, fiz um escândalo. Se você cai, morre, mas eu é que vou responder processo por ter permitido que você se arriscasse. Ele ria: Não caio não, dona Bel.

Nós o obrigávamos a usar o cinto e a corda de proteção mas bastava virar as costas pra ele tirar tudo.

 

Quando minha mãe, em 1998, veio morar também aqui no prédio, o apartamento que eu conseguira para ela estivera fechado e sem limpeza por três anos. Era um apartamento lindo, mais bonito do que o meu, mas estava literalmente imundo. A faxineira que eu contratei para limpá-lo, no primeiro dia, às seis da tarde, me interfonou em prantos. Estava desesperada porque passara o dia limpando e não via nenhum resultado. Chamei o Thiago e fui pro apartamento. A moça chorava, explicando que eu não iria acreditar que ela tivesse trabalhado direito. Ela chorava e ele ria.

- Pode deixar, dona Bel. Eu venho ajudar ela amanhã e, nuns cinco dias, a gente deixa tudo brilhando... E veio mesmo, trabalhar ainda mais,depois do seu turno no prédio. Em cinco dias... Claro, tudo brilhava, inclusive os brancos dentes do Thiago.

 

Sempre, há anos, desde que o conheci, eu me perguntava que benção era essa que a vida deu ao Thiago. De onde ele tirava esse inesgotável estoque de sorrisos e de bom humor?

Para mim, que descendo de uma estirpe de reclamões, mal humorados, deprimidos e similares, este é um dos maiores mistérios.


No entanto, agora que estou ficando velha, é muito fácil identificar as crises de depressão que tentam solapar a minha alegria de viver. Está certo que a minha alegria de viver não chega aos pés da alegria de viver do nosso amigo Thiago. Eu sou muito diferente dele. Qualquer pedra no caminho, para mim, parece o Muro de Berlim da minha vida e me custa grande esforço superar as dificuldades normais do cotidiano. Além dos antidepressivos, uso de todos os artifícios do mundo para me alegrar: penso em tudo o que a vida me deu de bom (bom marido, sem nenhuma depressão; bom trabalho, etc.),me mato de fazer ginástica (que produz endorfinas cerebrais, a droga natural do bom humor), me obrigo a ouvir música e até acendo incensos.


Mas resta a questão misteriosa: onde está a diferença entre o Thiago e eu?


Está nos gens? Está na história pessoal de vida?

 

Na manhã do dia 21 de julho a vida me mostrou que o mistério pode ser sempre maior.


Estava frio, as janelas estavam fechadas. Ouvi um baque surdo e pensei que alguma coisa caíra no apartamento de cima.


Meia hora depois fui à janela da sala para ver se o carro da Band já estava me esperando pra me levar à emissora. Havia um carro da Rede TV na calçada rebaixada em frente ao prédio.


Então eu reparei nos três carros da polícia, sobre a calçada, bem na nossa porta. Vi dois policiais entrando. Ué. Nunca acontece nada nesse prédio. Quem entrar aqui pra roubar certamente não conseguirá sair porque as entradas e saídas são tão complicadas que até os moradores se perdem de vez em quando... Liguei lá pra baixo:


- César o que foi?

- O rapaz que se atirou, dona Isabel.

- Outro, César?

- Pois é, pra senhora ver.

- Mas quem foi? Será que eu conhecia?

- Foi o Thiago, dona Isabel.

- Que Thiago, o jornalista da bicicleta? Não pode ser!!!

- Não, foi o Thiago mesmo, o nosso funcionário.

- Não, César – disse eu já em lágrimas – o Thiago jamais se atiraria. Ele deve ter caído, quando limpava as janelas.

- Faz anos que ele está proibido de lavar janelas.

Eu sabia. E concordava com a proibição.

 

Naquela manhã, como em quase todas as manhãs, Josias rendeu o Thiago na portaria da garagem. Conversaram um pouco e ele disse que ia dar uma volta, tomar um café, estava esperando alguém.


Saiu pela porta da garagem, na rua de trás, deu a volta no quarteirão, entrou pela porta da Paulista, passou pelo Cesar, foi ao elevador de serviço, desceu no 23º andar, subiu o lance de escadas para o terraço da cobertura e se atirou.


Thiago trabalhava aqui desde quase a inauguração do prédio. Quatro décadas. Conheceu todos os moradores. Viu as crianças crescerem e se tornarem adultos. Limpou todas as janelas de todos os apartamentos. Namorou a maioria das empregadas. Alegrou a vida de muita gente, inclusive a minha. Nos últimos anos nos cumprimentávamos com uma intimidade de irmãos.


Tinha 70 anos de idade.


Seu corpo, como não poderia deixar de ser, aterrissou no canteiro, no meio das flores.

 

Isabel, 27 de julho de 2009 

 

Suicídio

(As Cores Estão Por Dentro)

(de"Dona Bel",Isabel,para Thiaguinho, o homem sorriso)

 

Tudo parece cinza

Na metrópole nublada.

Cinza, a cor do gelo.

Cinza, fogueira apagada.

Cinza, o desespero.

Nuvem na janela

Sugere o desatino:

Corpo atirado, acabado,

Corpo que já foi lindo,

E alma virando estrela...

Resposta imediata

A um silêncio repentino.

Qualquer coisa,

 -- pediu a demência --

Que elimine o cinza imenso

Desta insensata ausência.

Neste delírio pretenso,

-- Grita a alma, sem paciência—

Revele-se o avesso, o inverso,

Do corpo inerte, suicida,

Pois as cores estão por dentro

Por dentro acontece a vida.

Por fora, o desespero habita.

Assim parte, desiste da espera.

Desperto, esfera, essência,

Buscando enfim uma órbita

Em algum colorido Universo.

 

PARA: "'Isabel Vasconcellos'" <isabel@isabelvasconcellos.com.br>

Assunto: RES: Saído do forno

Data: terça-feira, 28 de julho de 2009 09:05

 

Isa 

Acabo de ler antes descer para uma reunião de trabalho para a seleção e

contratação do novo funcionário que irá ocupar a vaga do Tiago.

Ficou excelente! Parabéns! É motivo de orgulho ter você no convívio do nosso condomínio. Vou parar por aqui porque a emoção está chegando e os três candidatos estão me esperando. A vida tem que seguir seu curso natural.

Grato pela honra de ser o primeiro a ler

Beijos.

Claudionor (síndico do Condomínio Paulicéia São Carlos do Pinhal)

 

De: "Daniela Warlet Caldeira de Sousa" <danibiacaldeira@yahoo.com.br>

Assunto: Eu sei mas não falei, logo falhei...

Data: sexta-feira, 31 de julho de 2009 22:16

 

Querida Isabel,

Linda a sua homenagem ao querido e sorridente funcionário S. Thiago. No dia 21 também presenciei, infelizmente, as circunstâncias que envolveram o silenciar deste sorriso. Fiquei muito triste! Principalmente quando me lembrei que passei por ele no sábado à noite, ele sorriu pra mim (como era de se esperar), retribuí o sorriso, disse-lhe boa noite, acenamos as mãos um para outro e segui para o meu destino - a cama! Logo que S. Thiago caiu, pensei: perdi a oportunidade de apresentar-lhe a maneira de sorrir para a nossa própria alma! Aquilo (ou melhor, Aquele) que nos enche, verdadeiramente de paz - Jesus Cristo! Ás vezes, um sorriso não traduz alegria e isso torna as coisas ainda mais difíceis de serem percebidas e solucionadas, pois retribuímos sorrisos, em contrapartida, choro dificilmente se retribui, pelo menos não na guarita de uma portaria e, se eu tivesse percebido o choro de sua alma... Eu tenho Jesus! E não percebi,

 falhei... Jesus não teria falhado! Não pense que sou uma fanática religiosa, porque não sou. Só tenho em meu coração o verdadeiro e VIVO motivo que nos tira da depressão, que nos enche de esperança e nos transforma por completo...  Quando li seu texto, vacilei novamente, mas não posso mais privar as pessoas de ouvirem sobre este maravilhoso tesouro... Conheça Jesus... Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida... "Venham todos que estão cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei..."

Estou à disposição...                   

Com amor, Dani Caldeira

* Parabéns pelo livro! Eu tenho!

 

[22:09, 21/06/2021] +55 11 96296-2221 Paula, Pauliceia: Parabéns Isabel por nos trazer essa merecida homenagem ao Sr. Thiago, através de filmagens e fotos.

Me emocionou muito!

Até hoje recordo e sinto falta. Pessoas raras assim fazem falta

Alma boa, prestativo,  sempre sorrindo com um sorriso tão brilhante que ajudava o dia a brilhar!!

Fazia tudo com alegria e eu me alegrava ao vê-lo!

Que ele esteja em bom lugar, com Luz, flores e sorrisos como os tantos que ele distribuiu.

Obrigada Isabel.

 

Lili Drosophyla :Bom dia a todos.

Isabel q linda lembrança e obrigada por nos relembrar do nosso querido Tiago

 

Elza: Nosso querido Thiago.

Que saudades!!!!

 

Carmelo: Que esteja em nossas orações.

Obrigado Isabel!

 

 

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