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Monogamia: Uma Coisa Torta.

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm


Passarinhos e Grades
Passarinhos e Grades

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano .


Deve ter sido quando, finalmente, o macho da espécie humana compreendeu que ele tinha sim um papel na concepção e que a mulher não era exatamente aquela misteriosa deusa que, ao expor seu ventre à luz da lua, passava magicamente a gerar um novo ser; deve ter sido aí, neste momento de compreensão, que foi inventada a monogamia. 


Afinal, já que o homem tinha um papel na concepção, tornou-se importante garantir que o filho era mesmo dele. Para fazer isso, só impedindo que a mulher tivesse relações com outros homens. Surgiu a posse. E, de mágica deusa, a fêmea passou a ser mais um objeto entre todas as possessões dos homens.


O sexo deixou de ser sinônimo de alegria, liberdade, realização e passou a ser o que é até hoje: a exclusividade neurótica e ciumenta, moeda, fator de troca, comércio, chantagem. E a coisa foi ficando tão neurótica que, quando apareceu o cristianismo, era preciso dizer que o filho de deus só poderia ter nascido de uma virgem, ou seja, uma mulher “pura”.


Deu no que deu.


Hoje em dia, herdeiros dessa cultura horrível e engessadora da verdadeira alegria do prazer sexual, apesar dos motéis e de uma suposta e hipócrita liberdade, vemos em muitos adultos o comportamento doentio e infeliz com relação ao sexo. Crimes passionais. Vinganças torpes por aquilo que chamamos de “traição”, lágrimas, violência, sofrimento. Tudo por aquilo que deveria ser a maior fonte de saúde e prazer dos humanos: a alegria do sexo bem feito, sem culpa, sem vergonha, sem posse, sem neurose.


Não nos iludamos mais. Não somos monógamos. Heteros, bi ou homossexuais, por mais que amemos profundamente um parceiro e vivamos felizes com ele, desejamos sim outras pessoas que eventualmente aparecem nas nossas vidas. E, se renunciamos ao desejo, apenas para não “magoar” o nosso amor, sobra um vácuo, um vazio, um querer eternamente reprimido. O poeta Fagner disse melhor do que eu: “quando a gente tenta, de toda maneira, dele se guardar, sentimento ilhado, morto e amordaçado, volta a incomodar”.


Realizar um desejo sexual não tira pedaço de ninguém. Não é traição, nem sacanagem. O problema é que fomos criados com essas idéias tortas e, quando vivemos um amor e cedemos a um desejo, nos sentimos culpados, nos sentimos “traidores”. Raramente temos maturidade e tranqüilidade suficientes para entender que, assim como acontece conosco, acontecerá também com o nosso companheiro. Todos nós, por mais que vivamos uma relação de amor, feliz, estável e duradoura, não estaremos imunes ao desejo por outra pessoa.


Maravilhoso seria o mundo se pudéssemos aceitar com naturalidade o nosso desejo e o desejo do outro. Caetano e Gil também disseram melhor do que eu: “O seu amor, ame-o e deixe-o livre para amar.”


No entanto, nesta matéria de monogamia e fidelidade, apenas nos embaralhamos, nos confundimos e, na quase totalidade das vezes, metemos os pés pelas mãos.


Não somos seres monógamos. Jamais seremos.


E, enquanto continuarmos a fingir que o somos, estaremos sempre tristes.

 

Homens

Para os homens, driblar a monogamia é fácil e natural. Eles nâo têm muitos problemas com isso.


Casados, frequentam bares singles. Se viajam a trabalho, sempre encontram no hotel ou no evento profissional, onde vão, alguma mulher disposta a fazer sexo ou por dinheiro ou por interesse em alguma vantagem que ele possa oferecer. Quase sempre os homens mantêm casos extra-conjugais e muitas vezes até amantes fixas que, em linguagem de advogado, são as tais “teúdas e manteúdas”. 


Tirando as exceções, aqueles que são monógamos por convicção e/ou religião, nenhum homem é homem de uma mulher só.


É clássico o caso de mulheres iludidas por homens casados, que lhes prometem mundos e fundos, que dizem que seu (dele) casamento está no fim e que não amam mais a esposa, apenas para conseguir o que querem.


E homens, na absoluta maioria das vezes, querem sexo. Mas eles sabem muito bem que as mulheres, também na maioria das vezes, precisam se apaixonar ( ou imaginar uma paíxão) para assumir o desejo. Por isso, quando a mulher em questão está nessa, eles mentem.

 

Confusão Sexual

 

Mas a grande confusão está na maneira pela qual a nossa cultura vê o sexo e na consequente educação deformada que é dada às nossas crianças.


É uma conversa antiga, mas também ainda muito válida. Meninos são estimulados a fazer sexo pelo sexo. Meninas são estimuladas a não fazer sexo, a não conhecer seus órgãos genitais e a ter vergonha deles. Bem ao contrário dos meninos que, desde pequenininhos, brincam e competem entre si em jogos com seus pênis.


O garoto cresce então com aquela visão distorcida do sexo oposto: existem dois tipos de mulher, aquela com quem se casa e aquela com quem se trepa.


A que casa, é pra ser mãe e, de preferência, bem reacata e pudica na cama. Nada de muito prazer.

Afinal, se ela tiver muito prazer pode também ter a idéia de experimentar ter prazer com outros homens e aí quem garante que a mãe dos meus filhos é mesmo mãe dos meus filhos e não dos filhos dos outros?


Aquela que é pra trepar, tem que dar prazer e não ter. Se ela tiver, tudo bem. Mas se não tiver, tudo bem também.

 

Mulheres

 

Se o prazer sexual é um dos itens mais importantes da vida dos homens, nas mulheres, historicamente, o prazer é o que menos conta na hora de ir para a cama. Pelo menos, o prazer dela. Mulheres vão para a cama por obrigação conjugal, por dinheiro, por interesse de ascenção profissional ou simplesmente por generosidade, para agradar ao homem que elas estão amando no momento.


Raras são as mulheres, a despeito de toda a publicidade que tem sido dada a uma suposta liberação sexual, que vão para a cama por puro e simples desejo e prazer. Aliás, a maior queixa feminina nos ambulatórios de sexologia dos hospitais públicos de São Paulo é exatamente a dificuldade de atingir o orgasmo.


Assim, muitas mulheres passam a vida fingindo para agradar, de novo, seus parceiros. E muitas, mesmo as que se julgam modernas e liberadas, ainda repetem a besteira predileta do sexo feminino: “Sexo, pra mim, só com amor”...


E, aí, coitada da mulher! Vai ter que pensar que ama, que está apaixonada, cada vez que o tesão a pegar...


Para os homens a coisa é simples. Ele olha pra uma mulher e sabe que a deseja. Pode até vir a amá-la, mas jamais confunde desejo com paixão ou com amor.


Já a mulherada... Uma paixão a cada balada de fim de semana.

 

Passionais

 

Com toda essa bela confusão, o maldito sentimento de posse pode chegar ao extremo da violência doméstica e dos crimes passionais.


Se você parar para pensar vai concordar comigo: não existe nada mais ridículo do que uma pessoa matar a outra “por amor”.  É o cúmulo da distorção da palavra amor.


No entanto, até muito pouco tempo atrás, era dado ao homem o direito de matar a mulher que o traísse. Chamava-se isso de “crime de honra”.


E mesmo hoje os nossos tribunais são inacreditavelmente bonzinhos para com homens que matam mulheres. Vide os casos do Doca Street, daquele jornalista que matou a namorada, foi condenado e está solto (esqueci o nome dele, graças a Deus) e outros que não ganharam a mesma visibilidade na mídia.


Nossa, como somos atrasados!

 

Política

 

Mas a questão do prazer é basicamente uma questão política.


Não interessa, absolutamente, a quem está no poder, que o povo seja feliz.


Povo feliz é povo que critica, reivindica, cobra seus governantes.


Povo infeliz, mal resolvido sexualmente, endividado, esfomeado, não tem nem tempo nem cabeça para reivindicar qualquer coisa que não seja a felicidade individual, as questiúnculas pessoais do cotidiano. Infelicidade inibe o sentimento da coletividade. E é muito mais fácil, aos poderosos, subjugar os tristes.

 

Então, só pra contrariar, vá atrás da sua felicidade e jogue os preconceitos sexuais na lata de lixo mais próxima.


Todos somos bi-sexuais. Todos somos polígamos. E todos merecemos a felicidade sexual. Sem vergonha, sem medo, sem preconceito, com segurança, saúde e alegria. Seja feliz.

 

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