Porque Todas as Mulheres São Bruxas
- SAUDE&LIVROS Fomm
- 12 de set.
- 7 min de leitura
por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

Nunca é o fim. Nem a morte é o fim. A consciência nunca descansa, mesmo dormindo, pois sonha. Na vida, nada chega ao fim. O que há é apenas a eterna e lenta transformação de tudo. Desde as células do nosso corpo, que são outras a cada sete anos, passando pela nossa mente e alma, que, pela experiência, vão se transformando e transformando a nossa maneira de ser e de agir. Tudo é dinâmico. Tudo está em constante movimento a caminho da transformação.
Há cerca de dois séculos e meio, as mulheres ousaram começar a se revoltar contra a sua condição social.
Parecia uma grande novidade, no final dos anos 1700, a obra da inglesa Mary Woolstonecraft, que reivindicava direitos iguais para homens e mulheres, numa sociedade em que elas não tinham direito à propriedade, ao voto, ao prazer sexual, à guarda dos filhos em caso de separação judicial e não podiam falar em público, a não ser para plateias femininas.
Reinvindicar direitos iguais aos dos homens era, neste contexto, uma enorme ousadia. Mas não era novidade.
A chapeleira da rainha Maria Antonieta dizia que só é novo o que foi esquecido.
Foi preciso que mulheres pioneiras, organizadas e lutando por seus direitos, conquistassem suas primeiras vitórias para que a memória das mulheres que, um dia, num passado remoto, foram livres, emergisse das sombras.
Embora alguns acreditem que no Antigo Egito existiu uma geração de Cleópatras ainda mais poderosas do que a Cleópatra que passou para a História, as únicas mulheres que viveram em igualdade de direitos com os homens foram as mulheres da sociedade celta.
A civilização celta – um dos povos classificados como “bárbaros” pelo Império Romano – floresceu por muitos séculos, desde cerca de 400 AC até a Baixa Idade Média.
No mundo dos celtas não havia diferença entre os sexos. Tanto mulheres quanto homens exerciam as diversas funções sociais, da política à religião. O sexo não era um tabu, era livre e fazia parte, inclusive, das festividades promovidas em prol da fertilidade da terra.
Essas mulheres sexualmente tão livres quanto os homens, essas mulheres que tinham poder político e sacerdotal, que sabiam manipular ervas e criar medicamentos, essas mulheres não combinavam com a visão que os romanos cristãos tinham da mulher. O cristianismo (não como filosofia de vida, mas enquanto instituição) via e vê a mulher como a detentora do pecado, a que tem que ser domada, na sua excessiva sensibilidade, pela racionalidade do homem, seu amo e senhor.
Por isso, porque não combinavam, quando a sociedade romana predominou sobre a celta, as mulheres livres foram sendo sistematicamente perseguidas, amaldiçoadas e queimadas nas fogueiras da Inquisição.
Toda a sabedoria das mulheres celtas foi sendo eliminada e esquecida.
Mulheres sábias, em nome da repressão dos antigos católicos, foram rotuladas como bruxas, feiticeiras, demoníacas. Muito da tradição, da sabedoria, da bondade, do domínio da intuição, muito, muito mesmo do conhecimento feminino se perdeu, espalhou-se no ar, nas cinzas das fogueiras da matança.
Nas sociedades de então, as mulheres foram perdendo o poder. Foram se calando. Ficaram submissas. Suas qualidades de mulher foram reduzidas aos rótulos de sensibilidade exacerbada, fragilidade, dependência, raciocínio inferior. E, finalmente, elas se tornaram cidadãs de segunda classe, confinadas ao universo do lar, sem papel social maior do que a maternidade.
Cem anos depois de Mary Woolstonecraft, as europeias e as americanas começaram a se organizar para lutar em prol dos seus direitos de cidadania. Queriam estudar, votar, opinar. Queriam voltar a ter voz no mundo.
Surgiram as sufragistas, as feministas e surgiram, na segunda metade do século XX, as primeiras mulheres livres na nossa sociedade.
Se hoje aprendemos a ler e a escrever, se hoje podemos votar, trabalhar, exercer o nosso direito ao prazer e à contracepção, se hoje podemos ter o nosso próprio dinheiro, se hoje já não somos tuteladas e consideradas inferiores e incapazes, tudo isso devemos às mulheres que, antes de nós, lutaram, morreram, sofreram, foram encarceradas e ridicularizadas porque queriam tudo isso (e mais) que temos hoje.
Mas ainda não é tudo.
Quando, nos anos setenta e oitenta do século passado, entramos na vida produtiva, assumimos, quase sem querer, o modelo masculino de poder, de competição, de produção. Muitas executivas e políticas dessas décadas se transformaram em homens de tailleur e salto alto.
Era apenas mais uma etapa de um processo de libertação feminina que ainda está longe de terminar.
Hoje, no século XXI, as mulheres precisam resgatar a bruxa dentro delas.
Hoje é preciso lembrar que podemos ter os mesmos direitos que os homens na sociedade, mas que somos diferentes deles.
Embora algumas feministas queiram negar, existem sim diferenças entre os sexos no que diz respeito à tendência de comportamento. Mulheres são mais intuitivas e mais sensíveis e seus cérebros funcionam diferentemente dos cérebros masculinos em algumas áreas como as das percepções visuais e auditivas. Terão os cérebros se moldado pela cultura, assim como se moldam tanto pelas drogas como pela psicoterapia? Ninguém sabe. O que se sabe é que, em quase todas as culturas e sociedades humanas já estudadas, as mulheres são comparadas à Lua e os homens, ao Sol.
Homens são da guerra. São do poder pela força, pela dominação dos mais fracos, pela intolerância cega de quem se julga possuidor das verdades. Homens são lineares: para frente e para o alto, derrubando o que estiver no caminho! Possuindo, dominando, com a força da testosterona e o brilho ofuscante da luz solar.
Mulheres são cíclicas como a lua. Mulheres são da paz, da conciliação, do amor materno, da tolerância, da compreensão. Mulheres têm fases: 15 dias de estrogênicas, brilhantes, sedutoras. Outros 15 dias, progesterônicas, maternais, recolhidas, acolhedoras. Mulheres são sinuosas: em vez de derrubar e destruir os obstáculos, contornam-nos, driblam-nos e seguem em frente, com a suavidade do luar.
Mulheres são mães e por isso a natureza deu a elas uma coisa a qual chamamos de sexto sentido: a nossa feroz, a nossa imbatível e muito pouco falível (quase infalível!) intuição.
Somos a outra metade da vida. A metade que foi brindada pela natureza com a capacidade de gerar, de ser mãe. E, por isso mesmo, foi brindada também com todas as capacidades do sexto sentido.
São essas capacidades, as do sexto sentido, que ainda estão latentes e adormecidas dentro de nós. É o nosso lado bruxa, cruel e historicamente reprimido num mundo de guerra, num mundo onde o poder era apenas masculino e, portanto, desequilibrado.
O mundo é feito de mulheres e de homens. Para mulheres e para homens.
Depois de milênios sendo governado e dominado apenas por um lado, o masculino, não é de se admirar que falte, nas relações humanas, exatamente o que caracteriza a magia feminina: o amor, a compreensão, a tolerância, a capacidade de conciliação.
E estes dons femininos nascem todos na intuição. Nascem nos cérebros femininos, que os homens tanto rotularam de “pouco racionais”.
Muito mais intuição do que razão e a razão que nasce da intuição: assim é a cabeça feminina. A sabedoria popular sabe bem que o coração tem razões que a razão desconhece.
O mundo só encontrará o equilíbrio quando o poder estiver também equilibrado entre a razão e o coração. Entre a cabeça da mulher e a cabeça do homem. Entre o estrogênio e a testosterona.
Neste início do século XXI, algumas empresas, as mais modernas, começam a perceber que as mulheres têm uma contribuição diferente a dar ao mundo produtivo: elas têm essa tal da intuição, que pode funcionar muito bem na hora da decisão nos negócios.
Para eles, uma grande novidade. Para elas, nada de novo. Desde que o mundo é mundo as mulheres sabem muito bem que podem e devem confiar na sua intuição e nas suas capacidades mentais que estão além da razão.
Estas capacidades “mágicas” femininas certamente estiveram, ao longo da história da humanidade, em algum momento histórico, mais bem estruturadas, codificadas e foram usadas com mais propriedade do que as usamos hoje. Mas isto se perdeu, se perdeu na própria história cristã de repressão ao sexo feminino, na dominação patriarcal e na submissão das mulheres. Sobraram apenas as lendas, falando de fadas, magas e bruxas que usavam seus poderes para o Bem ou para o Mal.
A Natureza é sábia. Dotou as mulheres de percepção extrassensorial para que estas pudessem sobreviver em tempos primitivos, quando a força física do macho era determinante para enfrentar os muitos perigos do mundo. Deu a elas uma extrema capacidade intuitiva para que pudessem proteger melhor a sua cria, para equilibrar a força física do homem com a sua força mental.
Depois, veio a sociedade patriarcal. E, por milênios, foi incutida nas cabeças femininas a sua inferioridade. O que era dom foi transformado em fraqueza. A extrema sensibilidade das mulheres, no mundo apenas racional dos homens, passou a ser vista como sinal de fraqueza, de inferioridade.
A Natureza, porém, fala mais alto que os costumes sociais.
Embora recalcadas, as mágicas capacidades femininas sempre se manifestaram, ao longo da História.
Agora é o momento de as mulheres assumirem de vez que têm, todas elas, uma bruxa dentro de si. Assumirem que são capazes, sim, de intuir, de prever o futuro, de moldar o destino, de modificar os acontecimentos. Agora é o momento de recuperar a bruxa que existe em cada uma de nós, mulheres.
Precisamos reconstruir tudo. Precisamos sistematizar as nossas capacidades mentais, erroneamente chamadas de “mágicas”. Precisamos ter a coragem de assumir esse lado maravilhoso da nossa alma. Precisamos tomar consciência de que realmente possuímos um dom que é privilégio do nosso sexo.
O nosso planeta precisa de mulheres dividindo com os homens o poder, as decisões, o diálogo.
Mas não mais daquelas mulheres que se masculinizaram para conquistar um lugar ao sol no mundo produtivo, na vida política. Mas sim de mulheres que estejam nas empresas, nas assembleias, nas igrejas, na política, na vida artística, com a sua alma feminina por inteiro. Ou seja, resgatadas as capacidades de seu sexto sentido, seu instinto materno, sua intuição (coisas que, para os homens, parecem mágicas, mas que para nós são tão naturais como respirar).
Está na hora de resgatar a bruxa que perdemos ao longo do caminho.
E colocá-la a serviço da humanidade.
Redescobrir a feminilidade que o poder masculino tentou destruir é a proposta deste livro.
Bel, 2011 - em "Todas as Mulheres São Bruxas" n.2 Barany Editora .
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