Sobre O Leopardo
- SAUDE&LIVROS Fomm
- 12 de abr.
- 3 min de leitura
Por Stela Maris Grespan

No quesito criatividade sou uma pobre capricorniana que não desenvolveu seu lado aquariana. Que fazer se a musa nunca quis dar-me o ar de sua graça! Sou incapaz de produzir poemas ou líricas, assim que, a partir de uma série netflixiana com base ( eu diria “inspirada”) no O Leopardo, vi-me, falando sozinha, mas não era assim; não lembro disto, etc e tal.
Dizia isto a pensar na velha leitura do O Leopardo do nobre e escritor Giuseppe de Lampedusa em sua primeira tradução brasileira de Rui Cabeçadas adquirido em 80.
A obra já foi traduzida por 3 outros, aí incluído a grande Marina Colassanti, que nos deixou recentemente. Já havia relido há coisa de 10 anos, quando ousei ler no italiano original e exercitar-me um pouco em tradução (para mim mesmo) e, depois, a cotejava com a edição do Rui. Depois de um tempo cansei-me da tarefa, mas foi bom enquanto durou.
Relendo agora, com outros olhos mais cansados por experientes, as pálpebras mais pesadas pelas desilusões pessoais, sua frase mais conhecida do público foi um”gancho” no meu queixo dado pelo Tancredi, ao explicar ao Príncipe de Salina, seu tio e tutor, as razões de seu engajamento nas forças Garibaldinas para a Unificação da Itália. Aqui repito a frase - “ Se nós não estivermos lá, eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está é preciso que tudo mude. Expliquei-me bem?”.
Encerrada a leitura, uma aula de boa literatura, de um clássico esquecido por Calvino, de um curso de política de um escritor que leu Maquiavel e até se insinuou nos primeiros trabalhos de Marx ( aquele judeuzinho alemão) testemunha da ascensão da burguesia, do acolhimento pela sociedade à nova classe de heróis militares que afastam Garibaldi no momento oportuno, para a permanência de um Vitório Emanuele II, não mais Rei da Sardenha, agora intitulado Pai da Pátria e Rei da Itália, fiquei dias a remoer figuras do passado, a pensar a política nacional e mundial e no útero primordial do fascismo, agora renascido.
Depois, mais descansada, era chegada a hora da cereja do bolo. Retirei da estante meu DVD( sim, adoro os meus e meu ótimo player) e fui rever Il Gattopardo de Luchino Visconti, de 1963 na edição falada em italiano com 3horas de duração! O que dizer desta obra prima do meu diretor predileto? É perfeita! Desde o fidelíssimo roteiro, fotografia ( as realizadas no interior da Sicília parecem obras impressionistas!), seus atores magníficos, para além de um Dom Fabrizio interpretado com fidalguia por Burt Lancaster, e da juventude bela e esplêndida de Claudia Cardinale e Alain Delon, todos os demais estão impecáveis!
Posso dizer, por comparação, que a série da Netflix está bem feita, com bons atores italianos, mas “modernizada” demais para ser fiel ao livro. Está mais para um Downton Abbey italiano( muito embora esta bela série também mostre a decadência da nobreza/o regime de servidão, a burguesia ascendente e suas relações de classe). Nesta nova série o glamour impera, romances são imaginados dando protagonismo a personagens que no original são apenas coadjuvantes, para atrair os novos espectadores. Tudo é superficializado, raso, mas…bem feito. Eu diria o velho clichê -tradução-traição. No entanto, serve para dar um vislumbre do processo de unificação da Itália, para quem desconhece inclusive a figura do “ herói de 2 mundos”, Garibaldi que ao sul nos é tanto cara.
Para por um ponto e vírgula neste meu texto, ante a pobreza atual de líderes de grandes nações que lembram a astúcia para o roubo, a ausência de ética, a rudeza, a ignorância personificadas em Dom Calogero deixo a sentença lapidar de Dom Fabrizio, Príncipe de Salina.
“ Tudo isto não devia durar; mas vai durar; sempre o humano, bem entendido… Nós fomos os leopardos, os leões: os que hão de substituirnos, os chacais, as hienas ; e todos nós, leopardos, chacais e ovelhas, continuaremos considerando-nos o sal da terra”.
Empolgada com tudo isto, agora irei para o quarto episódio de minha temporada particular com a leitura de Antônio Gramsci - O ressurgimento e a unificação da Itália, retirados de seu Cadernos do Cárcere.
Para quem leu o textão de sábado, deixo meu obrigada e a informação de que o Prime está com o vídeo original e primoroso de O Leopardo de Visconti. Só o baile já vale a visita!
2025 abril 12
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