Um Crime
- SAUDE&LIVROS Fomm
- 12 de jul.
- 2 min de leitura
conto de Mauro Fisberg
(do livro Revelações do Cotidiano)

Um fusca cinzento imaculado que combinava com seus cabelos grisalhos. Estofamento cinza claro, impecável. Ferramentas no porta-malas, uma pá, cordas e roldanas.
Ele era carinhoso, com dentes de ouro discretos e dentadura impecável.
Todos gostavam dele- incansável e acessível- mas tinha um fraco- gostava de morenas pequenas de seios infantis.
João era um estuprador, mas nunca havia chegado perto de qualquer mulher.
Seus sonhos eram agressivos e carnais; conseguia imaginar nádegas firmes, pequenas, lubrificadas. Em seus sonhos ele era cuidadoso: usava preservativo, lubrificantes e era carinhoso.
Mas ele não permitia qualquer movimento- sua presa era absolutamente amarrada com as cordas e cordões que tem em seu carro.
Infelizmente, seus os sonhos não mostravam o que acontecia após o orgasmo. Será que as liberava? Ele as matava? E o arrependimento e o remorso ocorriam todos os dias! Como fazer para parar os sonhos? João tinha 17 anos e não sabia o que seria dele.
Já o outro personagem, era um observador! Formiga, que era como lhe chamavam na facção, era um olheiro armado na entrada da rua. Sua função era avisar que o corre chegava às comunidades.
Essa loucura podia ser uma invasão da polícia, da milícia ou dos rivais. Ele tinha um fuzil e fogos de artifícios para estourar. No entanto, não lhe cabia entrar em confronto. Morria de medo do primeiro tiro, mas seu dedo preguiçosamente namorava o gatilho. Tinha 17 anos de idade e estava estreando na vigília.
João não conseguia trabalhar, porque nunca conseguia aceitar o que seus sonhos faziam. Sofria e não conseguia mais estudar, não podia falar com ninguém. Culpa de algo que não havia feito.
Uma tarde, pegou o carro e dirigiu para entrada de uma comunidade. Dirigia de faróis apagados, vidros fechados, óculos escuros e máscara no rosto.
Um suicida. Não escuta o grito de advertência e sente somente uma pancada no rosto. Apaga!
Formiga levanta o fuzil e avisa a comunidade que está sendo atacada; mas na rua, o único som depois do tiro, era da música no rádio do fusca cinzento. A sensação de culpa de algo que havia feito era intensa.
No carro o estofamento cinza se mescla ao rosado e vermelho do sangue escorrendo. João deitado, Formiga calado. Duas mortes diferentes no mesmo momento. Dois caminhos errados – dois remorsos que se chocam.
Formiga chora com a primeira morte. João não tem mais sonho.
Mauro Fisberg, 2024



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