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As Flores de Luz

  • Foto do escritor: SAUDE&LIVROS Fomm
    SAUDE&LIVROS Fomm
  • há 4 dias
  • 6 min de leitura

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano



Lirium Casablanca
Lirium Casablanca

 Joca, o João Carlos, estava indo para o trabalho e, como em todas as tardes e manhãs, pensava no absurdo que era ter que caminhar por quase um quilômetro para ir de sua casa à porta dos funcionários do rico condomínio onde ele era um dos vigias noturnos. Afinal, a favela (ops! Tem que dizer comunidade, corrigia-se em pensamento) onde nascera e morava até hoje fazia limite com os muros muito altos do conjunto residencial daquele bairro de ricos. Se “eles” abrissem uma porta em qualquer ponto da tal muralha, teria que caminhar apenas uns poucos metros e não, como agora, dar toda uma volta enorme em torno do condomínio para chegar à entrada de serviço e bater o seu ponto. Estava farto de saber que a favela era uma excrescência, plantada no meio de um bairro habitado por milionários. Mas a favela chegara lá antes, quando tudo, em volta dela, era mato. Depois o bairro rico fora se expandindo até atingir os limites das casas dos pobres, com aquele conjunto de pequenos prédios residenciais, todos muito chiques, onde ele já trabalhava havia uns dez anos. E sempre pensando que o fato de “eles” não abrirem uma porta, no meio da muralha que os separava dos pobres, era mais uma maneira que encontravam de se sentirem “distantes” de seus vizinhos menos afortunados, embora, na real, estivessem grudados neles.

 

Naquele fim de tarde, com a luz do sol rapidamente minguando, Joca, assim que saiu da casinha do relógio de ponto, notou aquele pacote esquisito, abandonado sobre um dos bancos do jardim. Foi olhar de perto. Era um saco de lixo preto e, dentro dele, um enorme buquê de flores brancas e muitas folhagens. Seriam, imaginou, umas trinta ou mais hastes encimadas por lindos lírios brancos. Muitas das flores estavam murchas e machucadas, mas havia inúmeros botões, em outras hastes, ainda fechados, e que, certamente, se abririam em flores sadias e belas. Por que será que alguém abandona um maço de flores e folhas tão lindo e tão grande, apenas porque algumas dessas estão murchas? Aquele arranjo certamente viera de uma floricultura muito chique e deveria ter custado bem caro! “Bom – pensou ele – pode ser que alguém anda venha busca-lo”.

 

Porém, veio a noite, amanheceu o dia seguinte e ninguém apareceu para pegar o tal maço de flores. E as poucas pessoas que transitaram pelo jardim nem sequer se detiveram para olhar o pacote. Assim, Joca, de manhã, ao voltar para casa, trazia as flores debaixo do braço. Sabia que a Glorinha, sua mulher, que tinha o dedo verde, separaria as flores e folhas machucadas das sadias, cortaria a base das hastes e arrumaria tudo em um (ou mais!) vasos com água fresca para conservar as flores sadias e para que os muitos brotos se abrissem em novos e lindos lírios brancos. “Ainda bem que o orvalho conservara a umidade das plantas” – pensava, já adivinhando a alegria da Glorinha ao ver tal preciosidade.  “Se algum ricaço achou que aquilo já era lixo, certamente faltava-lhe alguma coisa dentro do coração” – concluiu em pensamentos.

 

Entrou na cozinha de sua casa, onde a mulher preparava o café e deu-lhe um beijo e o pacote de flores dizendo:

 

-- Alguém, lá do condomínio, jogou isso fora.

 

Os olhos dela brilharam:

-- Nossa! Mas por que? Ainda está cheio de botões e tem muitas flores que estão perfeitas! Ah, que gente sem coração!

 

E o Joca:

-- Poucos ricos têm coração, você sabe!

 

Ela riu:

-- Venha tomar seu café, mas vá chamar as crianças antes.

 

Ficou lá, o pacote com as flores sobre a pia, mas já dentro de um balde com água, enquanto Joca, Glorinha e os dois filhos, José e Maria, saboreavam seu desjejum.

 

As crianças saíram para a escola. Glorinha tirou os alimentos que usaram no café, guardou-os na geladeira e nas prateleiras, lavou a louça, enxugou, e arrumou tudo nos armários. Só então trouxe o pacote para a mesa, já forrada com jornais, e começou a separar o joio do trigo. Joca, que sempre se retirava para o quarto naquela hora, permaneceu ali sentado na mesma cadeira, observando o cuidado e o carinho com que a mulher tratava as flores, as hastes, as folhagens. Vinte minutos depois, estavam prontos – e lindos – três recipientes onde ela rearranjara o que antes estivera jogado num saco de lixo preto. Usara o único vaso que tinham em casa e mais um velho bule de louça cuja tampa se quebrara havia muito e, ainda, uma enorme caneca de cerveja que viera de uma daquelas festas alemãs que a escola local promovia nos outubros.

 

Parece mágica – pensou Joca. – Um pacote bagunçado, meio estragado, se transforma, pelas mãos dela, em três lindíssimos arranjos de flores!

 

O maior deles foi posto na pequena sala de visitas, na mesa de centro, em frente à televisão e ao computador. Outro ficou na cozinha, enfeitando a mesa rústica onde faziam as refeições, sobre uma toalha branca. O terceiro foi para o quarto do casal, estrategicamente colocado sobre a cômoda, de maneira que Joca e Glorinha, deitados na cama, o tinha bem defronte aos seus olhos.

 

Por sorte, naquele dia era a folga de Joca e ele, embora não conseguisse dormir à noite, pois dormia de dia e trabalhava no período noturno, foi deitar-se à mesma hora que Glorinha.

E antes de apagar o abajur da cabeceira, Joca exclamou de repente:

-- Glorinha, o perfume!

 

Ela sorriu:

-- Parece que esse lírio branco é daquelas flores cujo perfume só é exalado à noite. Olhei o no Google: o nome dele é Lirium Casa Blanca.

 

Ao amanhecer, a pequena casa de João Carlos e Gloria ainda conservava o cheiro adocicado dos lírios brancos. E eles viram, encantados, que muitos dos botões estavam se abrindo, alguns já mesmo transformados em flores perfeitas e grandes.

 

Grandes! Notaram: as flores que se abriram, depois de a Glorinha ter cuidado delas, eram bem maiores do que as que estavam abertas antes. E, nos dias que se seguiram, cada flor que abria daqueles botões eram maiores e maiores e maiores... Eram enormes!

 

Por que? Como? Seria porque, antes, estavam espremidas num buquê e agora estavam livres em espaço maior? Ou porque Glorinha podara as hastes? Mas o fato é que, a cada dia, cada flor que brotara era maior, muito maior, do que as outras.

 

Naquela semana, enquanto as flores cresciam, um dos condôminos, de onde Joca trabalhava, o chamou para uma conversa e disse:

-- João Carlos, você tem sido um ótimo funcionário aqui e eu pensei se você não gostaria de se transferir para a minha empresa.

 

Assim, Joca passou a trabalhar na firma do tal condômino, ganhando o dobro do salário que tinha até então. E ainda com a vantagem de não ter aquela caminhada, que poderia ser abreviada caso “eles” quisessem... Agora pegava o ônibus logo na entrada da comunidade até a estação do metrô que o deixava bem ao lado da empresa.

 

Glorinha, por sua vez, era redatora de alguns sites, para os quais trabalhava em home office, e recebeu, subitamente, uma proposta de um site muito maior, com uma remuneração muito maior.

 

Maria, a filha deles, foi classificada para a olimpíada de matemática da escola e ganhou o primeiro lugar!

 

José, o filho, ganhou a medalha de primeiro judoca da turma da escola.

 

E, quando se deram por si, Glorinha e Joca estavam prósperos o suficiente para mudaram-se daquela comunidade para um bairro bem melhor, numa casa melhor, para uma vida melhor, com os filhos matriculados numa escola melhor.

 

E tudo isso acontecera em apenas 3 semanas!

 

Foi só quando começaram a mudança que perceberam que os lírios (cuja água era trocada a cada dois ou três dias) estavam murchando.

 

Bel, 2025, setembro, 30


Adoro as historias que a querida por todos narra. Ela conta de uma forma tao exata que parece que nos estamos na cena vendo. Ela e maravilhosa em tudo o que faz!!

Bálsamo na minha rotina seus vídeos!

Nossa, que honra! Muito obrigada!

 


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