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Paixão e Química

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

Atualizado: 18 de jan.

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano

(publicado na Revista Caras)

Frida Kahlo, 1947, Diego e Frida
Frida Kahlo, 1947, Diego e Frida

Marisa encontrou um velho amor no Facebook. Uma coisa absolutamente enterrada lá no fundo da sua memória e do seu coração. Até rever o rosto dele numa antiga foto que compartilharam, os dois, ela nem mesmo talvez fosse capaz de se lembrar que, um dia, há décadas, aquele homem fora um dos grandes amores da sua juventude. Foi apenas ao olhar a foto que a lembrança voltou. Então, timidamente, começaram os dois uma espécie de namorico virtual, feito de pedaços do passado, fragmentos de lembranças e alguns suspiros da atualidade.

 

Certa manhã, ao encontrar a mensagem dele – “bom dia” – na tela do celular, Marisa se descobriu completamente apaixonada. Era como se “bom dia” fosse a expressão mais inspirada do Universo.

 

Ela não sabia, mas essa sensação maravilhosa e ao mesmo tempo aflitiva, que a dominava, era devida à sua glândula hipófise anterior secretando uma quantidade significativa de oxitocina e que, se sua cabeça estivesse metida numa máquina de ressonância magnética, seria fácil observar o aumento na secreção, pelos neurônios, de substâncias como a dopamina e a serotonina, neurotransmissores decisivos na detonação de um processo químico muito semelhante ao do estresse. Aí estavam entrando em ação os consequentes aumento da pressão sanguínea, aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da circulação periférica (gerando um certo rubor facial), dilatação das pupilas, tremor muscular, aumento do metabolismo e do consumo de glicose pelas células...

 

Em suma: a química da paixão havia começado e, por causa disso, o banho matinal apressado tornou-se uma experiência sensual, o sabonete comum parecia exalar Chanel n.5 e ela notou, ao desembaçar o espelho do banheiro, que este lhe devolvia uma Marisa surpreendentemente mais jovem, de pele corada e brilhante, os olhos cheios de vivacidade.

 

Embora, nesse época, sua memória e sua concentração no trabalho lhe parecessem ligeiramente prejudicadas, aquela paixão outonal estava fazendo um bem enorme a ela. Antes, mal acabava de jantar, ela se metia num pijama sem graça e ia pra cama. Agora – depois de iniciado, ou reiniciado, o namorico virtual – ia dormir muito tarde, sempre acordando muito cedo, elétrica, bem-disposta... Ela também não sabia, mas a adrenalina da paixão, produzida pelo cérebro e pela glândula adrenal, funciona como um inibidor natural do sono e do apetite. Por isso, passadas apenas duas semanas do início de sua paixão, ela se percebeu mais magra, mais atraente.

 

No entanto, esse estado-de-paixão dura apenas de 3 meses a 1 ano e todo o seu brilho pode se esvanecer tão rapidamente quanto tinha se instalado.

E assim foi.

 

Um dia, recebeu uma mensagem de uma desconhecida, pelo Messenger: “favor deixar o Genivaldo, meu marido, em paz”.


Tudo o que era brilho, virou sombra. Então o cretino do Genivaldo estava casado! E ela que pensava nele livre como ela, divorciada. Foi uma decepção tão grande que durante algumas semanas seu cérebro negou-se a produzir as fantásticas substâncias da euforia e Marisa viu-se cabisbaixa, sonolenta, desacelerada. O cérebro, antes inundado dos neurotransmissores da alegria e da vitalidade, agora sofria uma carência brava dessas mesmas substâncias, levando Marisa à beira do abismo da depressão.

 

Depois de alguns dias, foi almoçar com a filha e a garota lhe disse:

-- Mãe, você está horrível! Branca, esquelética, sorumbática. Olhe, pegue a chave do meu apartamento na praia e vá pra lá no fim de semana. O sol pode produzir milagres.

 

Marisa foi. E, na praia, já que ainda exalava os poucos estertores da paixão revivida, conheceu um daqueles sarados gatos (ou ratos) de verão que adoram a conta bancária das bem-sucedidas mulheres mais velhas e, de repente, todo aquele sensacional, maravilhoso, inebriante processo químico renasceu dentro dela.


Afinal, o que importa na vida é estar feliz.


2018, março, 04

 

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