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Sem Filhos

Foto do escritor: SAUDE&LIVROS FommSAUDE&LIVROS Fomm

por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano


Alice Neel, 1967, Mãe e Criança
Alice Neel, 1967, Mãe e Criança

Somos 5 amigas sem filhos. No entanto, nossa amizade não se deve a essa condição que temos em comum, mas simplesmente aos fatores normais que levam à amizade: identificação, empatia, afeto, admiração!

 

Foi só um dia desses que me dei conta disso. Somos:

- Lilly, a proprietária do bar mais charmoso de São Paulo, o Drosophyla;

- Tânia Miura, arquiteta e designer de joias;

- Adriana Perez, fisioterapeuta;

- Roseli Zampirolli Berkovits; psicopedagoga e executiva na Prefeitura Municipal de São Paulo

- e eu.

 

A “obrigatoriedade social” de ser mãe passou longe de nós. Certamente, apesar de todas nós sermos, ou termos sido, casadas, parece que a vida profissional nos foi mais atraente. Somos mulheres felizes e realizadas em nossos respectivos trabalhos. Nunca ouvi nenhuma de nós lamentar a ausência de pimpolhos e muito menos comentar isso como um fato relevante.

 

Realmente, não o é. A simples circunstância de termos ovários e úteros não nos obriga a faze-los funcionar.

 

Não sei quanto às minhas amigas, mas eu, particularmente, desde muito menina, já bradava aos quatro ventos que jamais seria mãe. A ideia de um bando de criancinhas se arrastando penduradas às minhas saias, me era apenas indesejada.  Ao longo da vida ouvi várias pérolas – todas proferidas por homens – do tipo: “Você não resistirá à pressão social” ou “Você jamais será uma pessoa feliz e realizada se não for mãe” – e outras.

 

Tudo besteira. E da grossa.

 

Nunca me esqueci de uma moça, com a qual me identifiquei e passei três longas horas conversando, há muitos anos, num voo que nos trazia de um Congresso Médico realizado no Nordeste. Ela, na condição de executiva de uma das indústrias patrocinadoras do evento e eu, como produtora da transmissão internacional, ao vivo, por satélite, para salas repletas de doutores espalhadas pelo mundo. Evidentemente, num tempo em que ainda não havia Internet.

 

Mas a tal jovem, certamente seduzida pela minha eterna cara-de-confessionário, abriu o coração para mim. Estava sofrendo, debatendo-se entre a exigência do marido, que ela amava, em ter filhos e o seu absoluto repúdio à ideia de se mãe. Fui franca:

 

-- Por mais que ele te ame – eu disse a ela – nunca estará disposto a viver um casamento sem filhos. Além de levantar dúvidas públicas sobre a masculinidade dele, existe nos homens um certo desejo de continuidade, de ter herdeiros, de ter quem “leve adiante” a sua própria história. Se você se negar, ele acabará por deixa-la e se unirá a outra mulher com explícita vocação para a maternidade. Resta saber o que é mais importante para você: sua carreira, sua individualidade, o respeito ao seu próprio desejo, ou a manutenção de uma relação amorosa através de uma enorme e sofrida concessão que você fará, sem querer, apenas para manter o casamento.

 

Nunca mais a vi e não sei se ela, afinal, cedeu ou não ao desejo do marido. Mas lamentável e provavelmente a resposta deve ser sim.

 

Nosso saudoso amigo, o psiquiatra Paulo Gaudêncio, dizia que, mesmo sem o desejo de ter filhos, as mulheres, depois de mães passavam a amar as suas crianças por uma simples (opinião dele) determinação biológica. Será?

 

Nesse caso, penso eu, por que existem mulheres que, depois de uma gravidez indesejada e não planejada, abandonam seus filhos, algumas colocando o pobrezinho do bebê em latas de lixo? A tal “determinação biológica” deveria impedi-las...

 

A filósofa francesa Elizabeth Badinter analisou, com muita clareza e propriedade, essa mentira social sobre a importância da maternidade em seu livro “O Mito do Amor Materno”, onde ela explica como se estabeleceu na sociedade que, à época, precisava de muita mão-de-obra, essa ideia torta de que ser mãe seria o objetivo máximo da vida feminina. Não é!

 

É evidente que inúmeras mães maravilhosas amam e educam seus filhos com grande dedicação e são felizes e realizadas por tê-los.

 

Mas não são todas. Não são todas...


Isabel, 8 de Março de 2025

 
 
 

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