Segurança
- SAUDE&LIVROS Fomm
- 24 de set.
- 13 min de leitura
por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano
do Livro Todas as Mulheres São Bruxas

Até conhecer Solange, Antônio Luís era de uma insegurança sem par. Todo mundo comentava, os amigos zombavam dele, e ele próprio aceitava aquilo como simplesmente parte de sua vida, ou de seu destino. Vira e mexe, estava explicando a alguém:
- Ah, desculpe, sabe, é que eu sou muito inseguro.
Tinha 23 anos quando encontrou aquela que seria, de fato, a grande mulher da sua vida. Estava no último ano da faculdade de administração de empresas e era representante de uma indústria farmacêutica. A escola para ele era moleza porque, apesar da insegurança, sempre fora muito estudioso e inteligente e se saía bem nos estudos, embora, invariavelmente, fosse sempre o último a entregar as provas porque as relia e refazia os eventuais cálculos cinquenta vezes, para conseguir estar seguro de que não escrevera nenhuma bobagem, nem errara nenhuma questão.
O trabalho era mais preocupante para ele do que a escola. Decorava toda aquela “literatura” sobre os remédios que promovia e precisava despejar a decoreba inteira no ouvido dos médicos que visitava. Passava horas, em casa, em frente ao espelho do banheiro, repetindo as falas que diria no dia seguinte. Nunca estava certo de como deveria se dirigir aos doutores e decorava cada entonação de seu gerente, nos treinamentos, para repeti-las depois, quando saísse a campo. Chegava mesmo a levar um pequeno gravador às reuniões de treinamento e ficava horas e horas, no trânsito, ouvindo aquilo. Mas sempre entrava nos consultórios com as palmas das mãos e a testa molhadas de suor.
Lembrar-se-ia para sempre daquela tarde em que fora a um supermercado de periferia para comprar os lenços de papel que esquecera de colocar no porta luvas do carro e se deparara com aquela morena. Algo nela o atraíra. O porte. Talvez a segurança. Era Solange. Estava atrás de um pequeno balcão, no saguão do estabelecimento e procurava atrair a atenção das pessoas para o produto do qual era demonstradora. Quando a viu, Antônio Luís sentiu como se levasse um soco no peito. Aproximou-se timidamente do balcão. Ela abriu um sorriso branco e brilhante que o deixou zonzo.
- Boa tarde, senhor. Gostaria de experimentar o novo café solúvel Mescafé?
Com você, meu bem, sou capaz de experimentar até arsênico, pensou ele, mas respondeu apenas um “gostaria, sim”.
Muitas vezes, tempos depois, pensou que aquilo tinha sido mesmo uma espécie de amor à primeira vista, já que ele fizera um enorme esforço para superar a sua insegurança e voltar lá no dia seguinte. Solange também se sentira imediatamente atraída por aquele moço bem vestido, de olhar meio tímido, e aceitou de bom grado o interesse dele. No sábado seguinte ao primeiro encontro no supermercado, saíram. Ele a levou ao teatro, onde ela nunca estivera antes em toda a sua vida, depois jantar e depois motel. Veio o namoro, não sem uma certa oposição da família dele, de classe média, por causa da escolha por uma moça de origem muito mais humilde e meio ignorantona. Mas Solange tinha uma simpatia nata, era inteligente e perspicaz e dotada de uma incrível inclinação para adivinhar, nas pequenas e nas grandes coisas do cotidiano, exatamente como poderia ajudar a uma pessoa. Logo caiu nas graças da família dele e, dois anos depois, estavam casados.
Nos primeiros meses de namoro, Antônio estava cotado para assumir uma gerência de produto, dentro da empresa. Começara como representante aos 19 anos e, apesar dos quatro anos de experiência, era considerado, por muitos colegas, jovem demais para assumir essa responsabilidade. Ele estava entusiasmadíssimo com a possibilidade e, ao mesmo tempo, apavorado. Contou a Solange, em detalhes, o que rolava na companhia sobre a sua eventual promoção. A moça ouviu tudo, muito quieta e foi ficando um pouco deprimida.
- O que foi, meu bem? – perguntou ele – Você não gostaria que eu fosse promovido?
- Sabe o que é, Antônio? É que não vai dar certo.
Ele olhou para ela, perplexo. Anos depois, se acostumaria com esses lampejos dela, mas, naquele momento ainda não a conhecia tão bem.
- Como? Por que não vai dar certo? Você está agourando a minha primeira promoção?
- Não é isso, não – respondeu ela mansamente. – Você não disse, mas eu tenho certeza que esse produto tem algum problema e que é justamente por isso que querem colocar você para gerenciá-lo. Não é verdade?
Antônio estava cada vez mais perplexo:
- Bom... Na verdade, o produto tem um pequeno problema, mas aí é que está justamente o desafio. É um remédio para pressão, muito antigo e tradicional, no entanto alguns cardiologistas desconfiam que ele cause... bem...você sabe... uma certa perda de potência nos homens, por problemas circulatórios...
- Eu sabia! – exclamou ela, com um sorriso.
- Mas, calma, ainda não acabei. A ideia é posicionar o produto como o anti-hipertensivo para mulheres, já que ele é um dos poucos medicamentos para pressão alta que pode ser consumido, sem riscos, por mulheres grávidas...
- E querem por você para remendar um produto fracassado! De jeito nenhum! Não aceite. Acredite, eu tenho certeza que essa súbita promoção é armação de alguém, lá dentro da fábrica, que quer mas é ver você queimado!
- Ora, Solange, você está imaginando coisas...
Mas, no dia seguinte, Antônio começou a reparar de onde teria vindo a sua possível indicação para o cargo. Começou também a se informar mais, com os próprios médicos, sobre o produto em questão e, uma semana depois, estava plenamente convencido de que Solange tinha razão. Quando foi sondado sobre a promoção, deu um jeito de cair fora. Um ano depois, quando demitiram o funcionário que assumira o lugar que teria sido dele, ele suspirou aliviado e agradeceu mentalmente à Solange pelo alerta. Não teve que esperar muito por uma gerência, desta vez de um produto moderno, em fase de lançamento. Foram tempos felizes aqueles, quando da primeira promoção de Antônio, que de posse de mais dinheiro e mais segurança, resolveu que deveria, afinal, casar-se com Solange. Ela, que passara a vida num bairro muito pobre da periferia paulistana, imaginava estar vivendo um conto de fadas. Ocuparam, depois do casamento, um ótimo apartamento em Moema, viveram dias de festa para mobiliar e decorar a casa e Antônio a matriculou na auto-escola, para que pudesse habilitar-se a dirigir o carro que lhe compraria.
O sucesso profissional, no entanto, embora tornasse Antônio um pouco menos inseguro, não apagara totalmente seus infudados medos cotidianos. A diferença é que, agora, ele tinha Solange para guiá-lo em suas dúvidas. E a danada da mulher acertava sempre. Até para mobiliar e decorar o apartamento deles, fora assim. Solange sabia exatamente o que queria das lojas e onde colocaria esse sofá, essa estante, esses quadros. Nunca tinha nenhuma dúvida. Quando ficou tudo pronto, até a exigente mãe de Antônio foi tomada de completa surpresa. Examinou tudo o que eles tinham comprado. Era tudo perfeito. Da roupa de cama e mesa até a mobília da sala, passando pelos enfeites.
- Meu filho! – exclamou a senhora – Vocês contrataram alguém, um profissional, para a decoração?
- Não, mãe. Foi a Solange que escolheu tudo.
Mas quem diria que uma moça que sempre foi tão pobre...
- Ela disse que viu nas revistas.
Fora assim também quando comprara o carro dela. Ele estava em dúvida, como sempre, entre dois modelos, muito bem conservados, e resolveu levar a noiva à agência para que ela escolhesse entre os dois. Solange foi logo dizendo:
- Chii!!Esse azul eu não quero de jeito nenhum!
Antonio riu:
- Ainda bem que você veio, então, porque eu ia acabar me decidindo mesmo pelo azul. Por que você não o quer?
- Está na cara, Antônio, que esse carro já foi muito malhado. Acho até que já sofreu um acidente sério e o motor dele também não deve estar lá essas coisas. Deve ter sido de algum desses jovens que dirigem como loucos.
Levaram o vermelho. Quando estavam assinando os documentos, a vendedora, que sabia muito bem que Solange estava certíssima sobre o carro azul, não aguentou e perguntou:
-A senhora me desculpe, mas não é comum mulheres entenderem tanto assim de automóveis ... A senhora já trabalhou com carros?
Solange respondeu, com uma risada:
- Que nada, minha filha! Na minha família ninguém nunca teve carro nenhum, eu não entendo nada disso, não.
Na convivência diária com ela, depois de casados, Antônio foi descobrindo que a mulher sempre encontrava a melhor solução, até para problemas dos quais ela nada sabia. Acostumou-se, assim, a confiar nela cegamente e a jamais tomar nenhuma decisão, pessoal ou profissional, sem aconselhar-se com ela antes. Foi Solange, sempre, quem lhe disse que deveria ir por aqui ou por ali, agir assim ou assado, enfrentar desta ou daquela maneira os obstáculos e as lutas profissionais.
Cinco anos depois de casado, Antônio tornara-se o diretor de marketing da empresa. Os dois tinham uma vida confortável e feliz. O cargo dele o obrigava a constantes viagens e, muitas vezes, Solange o acompanhava. Quando isso não acontecia, falavam-se ao telefone mais de uma vez por dia. Em seu atual círculo de amizades, ditadas principalmente pelo cargo dele e um pouco pelas amizades que ela cativara no bairro (onde era conhecida por seus sábios conselhos para os problemas que as amigas porventura enfrentassem), eram chamados de “o casal 20”, tal harmonia que transmitiam a todos. Frequentemente recebiam para almoços e jantares.
Certa noite, depois de fazerem amor, Antônio lhe disse:
- Meu bem, acho que está na hora de você suspender a pílula. Estava pensando que devemos, afinal, ter filhos.
Ela riu:
- Que pílula? Eu não tomo pílula nenhuma!
- E o que faz então, para não engravidar?
- Nada. Nem me preocupo com isso.
- Então, será que há algo errado com você? – perguntou ele, já meio assustado – Nunca comentou isso com seu médico?
- Não.
- E ele nunca perguntou?
- Perguntou. Mas disse que isso pode acontecer. Aparentemente, não há nada errado comigo – disse ela.
- Então deve ser comigo! – exclamou ele, já pulando da cama e sentindo voltar-lhe, de súbito, aquela velha insegurança.
- Volte aqui – disse ela e, abraçando-o: - Não há nada de errado com você, nem comigo. É que eu nunca pensei em filhos. Mas se você os quer, eu os darei a você.
Três meses depois ela veio do médico com a notícia. Estava grávida. Tiveram dois filhos, um menino e uma menina, nos quatro anos seguintes e depois ela o convenceu a fazer a vasectomia.
Logo depois do nascimento da filha, Antônio recebeu uma proposta para ser diretor geral de uma indústria ainda maior do que aquela onde, até então, sempre trabalhara.
Estavam, então, entrando no décimo ano de casamento e viviam absolutamente felizes e prósperos. Nenhuma nuvem ameaçava-lhes a vida.
Os irmãos de Solange haviam estudado e tinham todos bons empregos, graças ao auxílio do cunhado que conseguira boas oportunidades para eles. O pai de Solange morrera, mas a mãe fora morar numa ótima casa que eles tinham adquirido, para os fins de semana, num condomínio fechado, não muito distante da cidade. A mãe de Antônio teve câncer de mama, mas conseguiu superar. Assim, todos os pequenos entraves do cotidiano iam se resolvendo.
A vida estava sendo generosa para com eles. Escaparam sempre dos assaltantes, davam festas memoráveis no Natal, reunindo a família, inclusive, dos amigos mais chegados e, de vez em quando, frequentavam as colunas sociais.
Antônio, sempre aconselhado por Solange, fez ótimos investimentos e, quando perceberam, estavam de fato ficando ricos.
Seus filhos cresceram sadios, exceto pelo acidente do menino, que acabou decepando uma falange na roda da bicicleta, o que lhe custou uma certa assistência psicológica, e pelas constantes crises nervosas da menina, na pré-adolescência, que foram afinal aplacadas pela ginecologista que lhe diagnosticou e tratou uma brava TPM.
O menino estava para completar 15 anos, quando Juliana, como uma fada má, cruzou o caminho de Antônio. Ele a conhecera num simpósio médico, promovido por sua indústria, no Recife. Cirurgiã plástica, uma especialidade ainda rara entre as mulheres, ela impressionava por sua estonteante beleza, embora já tivesse passado dos 40 há muito. Era casada com um reumatologista renomado, professor de uma importante faculdade na Bahia. Mas Antônio ficou perdidamente apaixonado e ela não lhe parecera, tampouco, indiferente. Tentou tirá-la da cabeça e do coração, mas não conseguiu. Encontraram-se novamente num congresso em São Paulo e acabaram saindo juntos para jantar. Terminaram a noite no hotel onde ela estava hospedada e Antônio surpreendeu-se porque era a primeira vez, em quase duas décadas, que ele tomava uma decisão sem antes ouvir a opinião de Solange.
Voltou a se sentir inseguro. Vivia em função dos raros momentos em que poderia se encontrar com a amante. Inventava viagens profissionais para estar com ela em outras cidades e até em outros países. Já não conseguia se concentrar no trabalho, esperando sempre pelos telefonemas dela, pela possibilidade ou não de estarem juntos em algum lugar. Além disso, embora estivesse deslumbrado com sua própria capacidade de ainda viver uma paixão, sentia-se culpado por estar traindo a companheira de tantos anos, a quem, reconhecia, devia metade do seu sucesso.
Solange, porém, sabia muito bem da aventura do marido. Soube desde a primeira noite, pois o conhecia melhor até do que ele próprio. Mas nada disse. Acompanhou a transformação de Antônio e, quase um ano depois que o caso começara, numa noite em que ele chegou mais cedo para o jantar, disse:
- Antônio, esse seu caso de amor vai acabar prejudicando a sua vida profissional. É melhor você se definir de uma vez.
Ele ia dizer: “Que caso de amor?”, mas seus olhos encontraram os dela e, instantaneamente, ele soube que nunca a enganara, que jamais seria capaz de enganá-la. Foi quase um alívio. Deixou-se cair na poltrona mais próxima e começou a chorar.
Solange não se abalou:
- Está vendo? Você está emocionalmente instável, está infeliz e angustiado, até as crianças já perceberam. Imagine na empresa! Um diretor inseguro não se segura muito tempo na cadeira, Antônio. E eu não estou disposta a ver ameaçado o futuro dos nossos filhos. Temos muito dinheiro, mas também gastamos muito e, se você perder a sua posição, tudo irá pelos ares. Não é melhor você resolver isso de uma vez? Se quiser ir morar com ela, vá. Mas resolva.
Antônio enxugou desajeitadamente as lágrimas:
- Não quero morar com ela. Eu amo e sempre amarei você. Mas... Mas...
- Mas a ama também, não é?
- É. Acho que é. – respondeu ele cada vez mais aliviado por poder contar, novamente, com a segurança de Solange para resolver o único problema do qual ela, até então, não participara. Mas, de repente, para aumentar ainda mais a sua confusão de sentimentos, percebeu que a mulher parecia tranquila demais diante da traição dele. Na verdade, preferiria que ela tivesse feito uma cena. Será que não sentia ciúmes? Será que de fato não o amava, estivera com ele todos esses anos apenas por conveniência?
- E então? – perguntou ela, desafiadora. – Vai resolver ou não?
- Solange, você é minha companheira, sabe que não posso viver sem você.
- Mas também não pode viver sem ela?
Ele se revirou na poltrona. Pensou em nunca mais ver Juliana, romper, acabar com aquele amor que (como sempre sua mulher estava certa) era também a razão de sua atual angústia. Sim, faria isso. Livrar-se-ia da angústia. Mas a ideia de nunca mais estar com Juliana o atingiu como uma dor, uma dor física, que lhe apertou o peito. Olhou para os olhos calmos de Solange e respondeu com um suspiro:
- Acho que não. Acho que não posso.
- Acha ou tem certeza?
- Não sei, Solange, não sei. – disse ele, sentindo-se como um menino, diante da autoridade materna, apanhado em travessura e ansiando pelo colo dela, ansiando que ela o consolasse, que lhe dissesse coisas ternas...
- Você não sabe. Mas o que eu sei é que assim como está não é possível continuar. Essa mulher virou a sua cabeça, você não é mais o mesmo homem e certamente não está sendo o mesmo profissional...
- E é só isso que preocupa você? Meu trabalho, minha carreira? Você não se importa que eu traia o nosso amor, desde que não prejudique a nossa vida material?
- Não – respondeu ela, com tranquilidade – Não me importo.
- Então... todos esses anos...você realmente nunca me amou?
- Não, Antônio. Eu gosto de você, casei com você porque nos dávamos bem juntos e você me proporcionava coisas que eu jamais tivera. Sempre nos demos bem, meu querido, somos ótimos companheiros, vivemos muito bem, temos filhos maravilhosos. O que mais seria preciso?
- Não sente ciúmes de mim? Não tem ódio dela? Não se revolta pela minha traição?
- Escute, meu querido – disse ela naquele tom que se usa para falar com as crianças – o que me revolta é ver que esse seu novo amor está lhe fazendo mal. Isso não é amor. É uma paixão, apenas. Achei que não duraria muito, que não traria maiores consequências e, desta vez, creio que me enganei. Você está se destruindo e isso eu não posso permitir. Essas paixões passam. Mas temo que essa, quando passar, já tenha causado estragos suficientes para a sua carreira e para a vida da nossa família. Por isso, acho que você precisa tomar alguma decisão. Ou vai de uma vez viver com ela, ou larga dela e tenta esquecer... você é quem sabe. Mas continuar assim é que não pode, não.
- Você acha que vai mesmo passar? – perguntou ele, sentindo-se um tanto ridículo e inseguro, diante da fortaleza de sua esposa. Ele, o todo poderoso diretor de multinacional, chorando como uma criancinha, todo confuso por dentro, pedindo o apoio da mulher que, até então, ele acreditava que o amava.
- Ah, essas coisas sempre passam. Um dia você enjoa dela. Mas eu tenho medo que ela enjoe primeiro de você e você fique ainda pior do que está.
- Estou muito mal, mesmo? – perguntou ele, já conseguindo sorrir.
- Está um trapo. E trate de se refazer logo, antes que...
- Já sei, já sei... prejudique o meu trabalho. É só nisso mesmo que você pensa?
- Não. Penso também no seu próprio bem estar. Eu gosto muito de você, Antônio, fomos companheiros e cúmplices por todos esses anos, exceto talvez o último, e essa vida em comum é maior do que uma paixão passageira. Quando surgiu essa mulher na sua vida, continuávamos juntos e felizes, ela não veio para suprir as necessidades que seriam geradas por uma eventual crise em nosso casamento. Ela veio do nada. Não havia crise alguma, por isso é que eu sei que vai passar, mas, repito, você não pode se deixar abater por uma paixão, assim como nunca se deixou abater por coisa alguma. Venha, vá se refrescar para o jantar, as crianças já estão chegando e eu preciso ir ver como vão as coisas na cozinha.
Na manhã seguinte era um outro homem que entrou no escritório. De repente, como por um passe de mágica, Antônio tornara-se consciente das muitas pequenas coisas que havia negligenciado naquele último ano. Pediu à secretária que agendasse uma reunião com todos os seus gerentes de produto o mais rápido possível. Lembrou-se de que havia uma luta, na companhia, para vencer a corrida de colocar, na saúde pública, um de seus medicamentos mais modernos e de preço altíssimo, para uma doença crônica. Ele nem prestara muito atenção ao último relatório que ouvira sobre isso. Abriu seu computador e muitas mensagens dos últimos dias que haviam lhe parecido sem importância agora ganhavam uma nova dimensão. Trabalhou como um touro e, contrariando seus costumes, foi dar uma volta pelo escritório, parando nas mesas e conversando com alguns executivos. No fim da tarde, estava se sentindo realmente um novo homem, como se, nos últimos tempos, tivesse sido apenas uma sombra de si mesmo. Foi aí que a secretária avisou que a Dra. Juliana estava na linha.
- Diga a ela que estou numa reunião importante e que, quando puder, retornarei a ligação. E ligue também para a minha mulher.
Foi a vez da secretária suspirar aliviada. Finalmente o chefe ia dispensar aquela perua que o andava perturbando tanto!
- Dona Solange na linha.
- Meu bem, disse ele, vamos jantar fora?
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