A Caçadora de Arco Íris
- SAUDE&LIVROS Fomm
- 11 de ago.
- 6 min de leitura
por Isabel Fomm de Vasconcellos Caetano
(inédito para o livro Todas as Mulheres São Bruxas IV)

Era sempre em agosto que os arco-íris voltavam. Havia quase duas décadas, a mãe de Helena, Miriam, ganhara aquele prisma perfeito, de cristal Swarovski, e o pendurara na sacada do apartamento, junto à sua urban jungle.
Mas, no inverno, o sol ia caminhando mais transversalmente, no céu, e, desde junho, já não batia direto no prisma e nem na sacada e, assim, os arco-íris se iam. Só voltavam, junto com os raios de sol, na primeira semana de agosto. Aí a sala e a sacada se enfeitavam—paredes, tetos, objetos e folhas das plantas – com aquelas tiras coloridas que o prisma projetava. Aquele era o sol da tarde. Em agosto, os arco íris surgiam entre as três horas e o pôr do sol. No verão, vinham mais fortes e mais cedo.
Era sempre um espetáculo!
Naquele ano, porém, Miriam colocara um porta-incenso numa mesa de jardim que havia na sacada. Já comprara aquele objeto há alguns anos. Era de madeira e tinha um cristal meio grandinho, incrustado na base. Fôra fabricado pelo dono de uma barraca expositora da Avenida Paulista, o Cláudio, que, com sua mulher, Isabel, comercializavam incensos e porta-incensos. Era ali que Miriam e Helena, quando passeavam pela avenida aos domingos, abasteciam-se das varetas esotéricas.
Todos os anos, desde muito criança, Helena aguardava ansiosamente pela volta dos arco-íris. Desde que Pedro, seu pai, explicara a ela o processo de decomposição e refração dos raios de luz, ao passarem pelo prisma, ela ficara fascinada. Exclamara:
-- É mágica!
Pedro rira:
-- Não, minha filha, é física, é ótica!
Certo dia, o pai trouxera a ela um círculo de papelão, divido em sete raios, cada um deles com uma cor do arco-íris, montado numa outra base de papelão e fixado a essa por um pequeno pino, de maneira que esse disco pudesse ser girado. Era o conhecido “Círculo de Newron” Isso fôra em 2020, quando Helena tinha apenas 9 anos de idade e estava, como todos, confinada ao apartamento e, claro, entediada. Pedro se deparou com o tal círculo numa grande papelaria e o comprou imediatamente. Sabia que a filha ficaria encantada.
Chegando em casa, chamou a menina e mostrou a ela o tal círculo de papelão:
-- Veja – disse ele – aqui estão as sete cores do arco íris
-- vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta – Agora vamos girar o disco e você verá o que acontece.
Quando girando, o disco se tornava... branco!
Helena, fascinada, exclamou:
-- Pai! Isso é um prisma ao contrário!
E era... Misturadas pela rotação do círculo, as sete cores, na superfície do objeto, causavam a ilusão de ótica do branco: a luz, antes decomposta, voltava a ser branca...
Daí em diante, Helena, se já gostava daquelas luzes coloridas que o prisma projetava nas paredes do apartamento, passou então a amá-las e a respeitá-las como um maravilhoso fenômeno da Natureza.
Virou uma caçadora de arco-íris. Quando o sol incidia sobre qualquer objeto de vidro, ela descobria uma posição do tal objeto que produzisse, ainda que mal e porcamente, uma refração da luz.
Na Internet aprendeu que “O arco-íris se forma quando a luz branca do Sol incide sobre gotículas de água suspensas na atmosfera, como após a chuva. A luz solar penetra nas gotas d’água e sofre refração (mudança de velocidade e direção), é refletida internamente dentro da gota e, ao sair, sofre nova refração e dispersão, dividindo a luz branca nas cores do espectro visível. Essa dispersão ocorre porque cada cor tem comprimento de onda diferente, fazendo com que as cores se separem em ângulos distintos (aproximadamente entre 40° e 42°), formando o arco colorido que observamos no céu. A cor vermelha aparece na parte superior do arco por ter maior comprimento de onda, e a violeta na parte inferior por ter menor comprimento de onda.” *
A cada chuva, lá estava Helena, vasculhando com os olhos o céu, na esperança de que um arco-íris se formasse. Viu alguns, com sorte. E os fotografou.
Naquele agosto de 2025, Helena, já adolescente, estudando no seu quarto, ouviu o grito da mãe. Miriam estava molhando as plantas do terraço e a chamou:
-- Minha filha! Venha ver que maravilha!
E Helena viu. Colocado naquele ângulo, o porta-incenso, aquele de madeira, com seu prisma irregular e banhado pela luz do sol, produzia um mini arco-íris na parede do terraço.
-- Mas, mãe! Esse é um prisma irregular e não perfeito como é o nosso Swarovski!
-- Pois é – respondeu Helena – Foi uma sorte eu tê-lo colocado aqui nesse lugar! – E riu – Acho que vou colá-lo, para que nunca mude posição e sempre reflita esse arco-íris... Eu até tinha tentado colocá-lo ao sol pra ver se conseguia algum reflexo..., mas nunca! E, agora, por acaso...
-- Não, mãe. Não foi acaso. Acaso não existe. Deve ser alguma mensagem. E não adianta colar. Ele não se moverá, mas os raios de sol, sim, irão mudando de posição... Vai ser difícil encontrar o ângulo exato para que esse prisma também refrate a luz e forme o arco-íris.
Miriam riu. Sua filha, sempre tão perspicaz! E respondeu:
-- Sim! Você tem razão! É isso mesmo..., mas... mensagem? Que espécie de mensagem seria essa?
Helena ficou subitamente séria:
-- Ah... não sei! Mas penso que seja uma mensagem dos céus, da luz, da Natureza... para mim! Lembra, mãe, quando eu era criança e sonhava acordada e chorava porque voa coisas horríveis acontecendo e vocês me levaram para a Tia Circe, a bruxa? Ela me ensinou que eu não sonhava acordada, mas, sim, que tinha visões de fatos que ocorriam no mundo, coisas tristes, como aquelas pessoas sendo enterradas vivas pela lama cheia de minério, quando explodiu a barragem de Brumadinho? Então... Circe me explicou que eu trazia, de outras vidas, a capacidade da Visão, como a tinham as bruxas celtas na Idade Média. Não eram sonhos-acordados, mas, sim, visões... Aí eu pesquisei a história dessas bruxas celtas, na Internet. E uma revolta foi crescendo dentro de mim. Por que eu trouxera essa capacidade de visão, de outras vidas? Por que eu não podia ser, como as minhas amigas, apenas uma menina normal – meninas normalmente não têm visões, né? –por que o mundo me fizera diferente?
Miriam foi sentar-se ao lado da filha, que desabara no banco de jardim que havia no terraço. Abraçou-a de leve pelos ombros e disse:
-- Mas, Helena, você sempre usou da sua aguçada intuição para ajudar os seus amigos com seus problemas! Sua intuição veio junto com a sua visão! E tem sim um propósito: fazer o Bem! Não é uma diferença, uma coisa negativa, é uma benção, um privilégio!
-- Pois é, mãe! – continuou Helena – Mas, nos últimos anos, eu venho tentando me livrar de tudo isso – visão, intuição – eu venho me dedicando na escola ao estudo preferencial das ciências exatas… e foi a refração da luz, as explicações do meu pai sobre o arco íris e o prisma, que me levaram para esse caminho da física, do estudo das ciências exatas, sempre na tentativa de negar esse meu lado bruxa, como diz a Tia Circe.
-- E agora – disse Miriam interrompendo a filha – ironicamente é o mesmo fenômeno, o arco-íris, que te levou para as exatas, que você pensa estar te mandando uma mensagem dos céus, da Natureza?
-- Sim – respondeu Helena. – Tenho notado, a cada vez que estou com a Circe, que ela percebeu essa minha luta interior. Nunca quis me dissuadir, mas eu sinto que ela se entristece ao me ver nessa tentativa de negar o que ela chama de “o meu lado bruxa”.
E agora, hoje, esse mini arco-íris, completamente improvável, gerado pelo seu porta-incenso e seu prisma irregular,
me fizeram pensar nisso. Numa mensagem, para que eu desista de ser igual a todo mundo e assuma de vez essas minhas capacidades de visão e intuição!
-- Helena – disse Miriam colocando na voz toda a doçura e paciência de que era capaz – você não é “anormal”. Você é uma garota inteligente, racional e que, de quebra, possui esses poderes intuitivos. Mas não é diferente das outras meninas, de mim, ou das outras pessoas. Cada um, na vida, tem os seus dons e as suas bençãos e, além disso, minha filha, nunca se esqueça de que todas as mulheres são bruxas!
Helena sorriu. E nem ela nem Miriam repararam que o mini arco-íris, na parede, lentamente, se apagava com o movimento do sol.
*fonte mundoeducação.uol
Bel, 2025, agosto, 07
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